Cadeirantes
Capital alemã é modelo de adaptação de cidade ao portador de deficiência
Um leitor assíduo desta coluna, J.M. Arruda, me contatou no início do ano, sugerindo que eu escrevesse sobre a vida dos cadeirantes em Berlim. Logo passei a observar os locais públicos, as ruas e os meios de transporte da cidade sob outra perspectiva. O número oficial, de 2003, aponta que são 1,6 milhão os alemães em cadeiras de rodas. Mas cada caso é um caso. Deste número, a metade tem mais de 65 anos. O número também não inclui casos de esclerose múltipla, ossos de vidro e vítimas de derrame, por exemplo. Apenas uma parte dos cadeirantes, aqueles que circulam pelas ruas, muitos com cadeiras com motor movidas a botões, fazem tudo ou quase tudo por conta própria: deslizam prá lá e prá cá, pegam condução, frequentam parques, cinemas, teatros, cafés e restaurantes, vão ao médico, ao correio, ao banco e ao supermercado sozinhos, desde que esses espaços sejam acessíveis. Há ainda os mais ativos, que treinam rugby, basquete ou natação, alguns entre os diversos esportes praticados por cadeirantes.
Nos últimos 20 anos, com duas leis que impulsionaram projetos para melhoria da vida dos portadores de deficiências de todo tipo e a sua inclusão sem barreiras, muita coisa mudou em Berlim: em 1994, houve um adendo na Constituição Federal, e em 1999, a lei regional LGBG, que resultou na criação de uma secretaria especial para o deficiente na cidade de Berlim. Desde então, o espaço urbano se transformou com o objetivo de tornar Berlim uma cidade 100% barrierefrei, ou seja, acessível. Em dezembro passado, a cidade recebeu o prêmio europeu Access City Award pelo seu projeto de acessibilidade. Na página web da secretaria há uma série de links que levam, entre outros, ao site Mobidat, um banco de dados que oferece informações como anúncios de apartamentos para aluguel aptos para portadores de deficiência.
A mobilidade do cadeirante depende de diversos fatores, como, por exemplo, sua força física e motricidade, o modelo da cadeira de rodas (cujos preços variam entre € 300 e € 40 mil) e da estrutura do espaço urbano do lugar onde vive: se há calçadas planas, rampas de acesso, elevadores etc., pois poucos podem dar-se ao luxo de ter um carro adaptado. A empresa de transporte urbano BVG oferece, além de informações sobre estações barrierefrei, um guia para o turista cadeirante e a possibilidade de agendar um treinamento para utilização do transporte público com cadeira de rodas. Apesar de ônibus e bondes terem degraus baixos ou rampas móveis e espaço reservado, nem todos conseguem embarcar sozinhos. No treinamento da BVG, eles recebem dicas para embarcar e desembarcar, na medida do possível, sem auxílio de terceiros.
A Deutsche Bahn, a companhia de trem interestadual do país, também tem serviços especiais para usuários de cadeira de rodas. Mesmo que sejam lugares limitados, há poltronas que podem ser reservadas com antecedência. Para o embarque e desembarque, um funcionário instala uma rampa de acesso. As rampas significam o primeiro passo para o direito de ir e vir de um cadeirante, pois um único degrau já é um transtorno na vida de um usuário de cadeira de rodas. Vivendo diariamente situações como esta, o berlinense Raul Krauthausen, 32 anos, portador da síndrome dos ossos de vidro, largou a carreira de publicitário para fundar em 2004 a associação Sozial Helden e.V (Heróis Sociais). Superengajado na causa, em dezembro de 2012 Raul criou uma nova campanha: “1001 rampas”, que vai doar rampas a diversos estabelecimentos de Berlim. Em 2010, desenvolveu o Wheelmap, um site e aplicativo para smartphones que mapeia a acessibilidade de locais para cadeirantes. De Berlim para o mundo.
O Wheelmap funciona com as cores do sinal de trânsito; se o local tem rampa e banheiro, é marcado no mapa em cor verde; se tem apenas uma das facilidades, amarelo; e se não está apto para receber cadeirantes, ganha sinal vermelho. Quem contribui com estas informações e alimenta o site é a comunidade de usuários, cadeirantes ou não. Raul partiu da ideia de que, se cada um dos 1,6 milhão de cadeirantes colocasse o seu lugar preferido no mapa, já se formaria um banco de dados gigante.
No momento, existem mais de 300 mil lugares no Wheelmap listados na Alemanha, e uma média de 200 novos endereços são mapeados diariamente. Em dois anos, o projeto ganhou grande visibilidade e chegou a diversos países, incluindo o Brasil, pois tem como base o OpenStreetMap, um mapa do mundo aberto para anotações, que funciona no molde da Wikipedia.
Portanto não é o indivíduo que é deficiente, as cidades é que ainda não estão preparadas para as necessidades especiais dos seus habitantes.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/cadeirantes-7738713#ixzz2NBrmUCMW
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