sexta-feira, 2 de julho de 2010

Amor e dedicação têm vitória na Justiça


História de pai que não pagou prestações da casa para cuidar do filho doente sensibiliza juíza, que reverte verba para quitar a dívida

Publicado em 29/06/2010 Vinicius Boreki
Fontes: Gazeta do Povo

O amor de um pai por seu filho convenceu a juíza federal Anne Karina Costa, da Vara do Sistema Financeiro de Habitação de Curitiba, a tomar uma decisão inédita no ano passado. O mecânico Adolfo Celso Guidi, 52 anos, abandonou o emprego, deixou de pagar o financiamento de sua casa, no Bairro Alto, e gastou as economias para encontrar uma forma de tratar o filho Vitor, hoje com 21 anos, portador de Gan-gliosidose GM1 tipo 2, doença degenerativa e hereditária. Em uma audiência de conciliação com a Caixa Econômica Federal, ele apresentou o filho e narrou sua odisseia. Funcionou: a juíza reverteu verba do fundo pecuniário – recolhida de decisões judiciais – para quitar a residência.

Esses recursos são normalmente destinados às entidades públicas ou privadas com função social, conforme o Código Penal. A argumentação do mecânico, porém, comoveu a juíza federal. “Não tenho conhecimento de outra decisão como essa”, diz a magistrada. Os motivos para a iniciativa foram “a excepcionalidade do caso do senhor Adolfo, que apresentou como justificativa para o não pagamento das prestações a história de luta pela vida do filho, portador de doença rara, e uma dedicação incomum”, avalia Anne Karina.

Formado em Engenharia Mecânica, Adolfo atua como mecânico no quintal de casa. Portanto, sua casa é também fonte de renda. Fator levado em conta pela juíza, após consulta ao Ministério Público e à Vara Criminal. A questão é vista com pragmatismo pelo pai: “Sempre me perguntam o que mudou em minha vida com a decisão. Na prática, nada. Mas, se eu tivesse sido despejado, teria mudado tudo”, relata.

Luta

Adolfo não é o primeiro a lutar pela sobrevivência do filho. O diplomata norte-americano Augusto Odone criou o Óleo de Lorenzo, enzima que impede o avanço da Adrenoleucodistrofia, doença que acometia o filho (leia nesta página). Assim como Odone, Adolfo não aceitou ver o filho morrer sem tentar reverter a situação – os médicos deram prognóstico de seis meses para Vitor. O engenheiro fez da biblioteca do Setor de Medicina da UFPR sua segunda casa. “Só tive de entender a lógica do sistema e encontrar uma forma de fazê-lo voltar a funcionar”, diz.

E a tarefa era “simples”. Vitor não produz uma enzima, a beta-galactosidase. Portanto, bastava entender a enfermidade, seu funcionamento e uma forma de fazer o corpo do filho receber a substância que não produz. Com um ano e meio de estudos, o pai descobriu a enzima que poderia ser usada e onde encontrá-la. Hoje, ela é manipulada em laboratório e não sai por mais de R$ 18 ao mês. A dieta é mais cara, pois se baseia em produtos naturais, pós de reforço nutricional, vitaminas, cálcio e fibras. O rapaz deve evitar leite e derivados. “Ele gosta de um bolo e, quando quer comer, reforçamos a enzima para não ter problemas”, explica o pai. Em tratamentos de doenças, como a bronquite, Adolfo ministra alimentos naturais e evita o uso de medicamentos mais agressivos, como antibióticos, para não afetar o sistema imunológico do filho.

Assim como o Óleo de Lorenzo, tanto a enzima quanto a dieta não têm eficácia comprovada pela medicina formal. Vitor tem hoje 21 anos, enquanto a maioria dos portadores da doença não passa dos 12 anos. Adolfo também é chamado de “doutor” e procurado por parentes de outras pessoas portadoras da enfermidade.

Dúvida

Hoje, um grande ponto de interrogação ronda a consciência de Adolfo. Até quando vai permanecer ao lado do filho? Vitor leva uma rotina tranquila. Fica em casa pelas manhãs, frequenta a Escola Especial 29 de Março à tarde e à noite curte a companhia da família. “Eu não sou nenhum herói. O que eu fiz não é um ato de heroísmo, mas assumir a responsabilidade empenhada por Deus”, diz Adolfo. “Ele, o Vitor, é o herói. Sempre teve consciência de tudo e continua lutando. Os médicos dizem que o amor dele faz com que ele esteja vivo.”