quarta-feira, 10 de junho de 2015

Escritor com paralisia cerebral adapta chave de fenda para digitar romance

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As dificuldades motoras, consequentes da paralisia cerebral, não impediram Alexandro de Andrade, de 40 anos, de escrever um livro sozinho. Com uma chave de fenda envolvida por esparadrapos, o escritor de Guarapuava, na região central do Paraná, digitou letra por letra do romance “Só o amor vale a pena”, de 160 páginas. Ele, que diz ter sofrido muito por amor, garante que o sentimento, quando correspondido, “é o ecstasy da vida”.
O livro conta a história de Fernanda, uma jovem com paralisia cerebral que se apaixona por Richard, um rapaz de família rica. Em meio aos obstáculos, ela tenta provar que o amor entre os dois é, sim, possível. “O livro é dedicado a todas as pessoas que enxergam além das aparências”, explica.
Persistência
Alexandro demorou quase 2 anos para escrever a obra. Foram dias inteiros trancado no quarto, em frente ao computador doado por amigos. No começo, pela falta de coordenação, a chave de fenda esbarrava em algumas teclas e, de repente, a janela do Microsoft Word fechava. Então, todo o texto se perdia e ele era obrigado a recomeçar.
Mas a teimosia do escritor não o deixou desistir do seu sonho. Com muita paciência, Alexandro terminou de digitar toda a história no computador – com letras enormes porque o estrabismo não permite a ele enxergar caracteres miúdos.
Após meses e meses de dedicação, o texto foi, finalmente, para edição e publicação. Ao longo do caminho, o exemplo de superação do escritor comoveu muita gente que ajudou o sonho de Alexandro a se tornar realidade: desde a professora que revisou todas as páginas do romance até a empresa que doou os papéis para a impressão.
A história dele também mexeu com leitores de todo o país. Até agora, quase 400 cópias do livro já foram vendidas, a R$ 5 o exemplar. E ele comemora a venda de cada unidade. “Um sonho de muitos anos”, define.
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Até agora, já foram vendidas 400 cópias do romance de Alexandro (Foto: Alana Fonseca/G1)
Inspiração
Para escrever o romance, ele diz que se inspirou na própria vida e cita um trecho para explicar o que realmente pensa sobre o amor. “Devemos amar a nós mesmos, amar ao próximo, amar alguém especial. Enfim, amar no sentido completo da palavra. Só o amor nos torna completos e humanos”, acredita.
Alexandro, que nunca teve uma namorada, confessa que sofreu por amor quando se apaixonou por uma de suas professoras. O sentimento, infelizmente, não foi correspondido. “O amor me machucou muito. Ainda dói. Mas ainda vou encontrar a pessoa certa. Por enquanto, a minha mãe é o meu único amor. É tudo para mim, meu anjo da guarda”, diz.
Amor de mãe
Alexandro nasceu quando a mãe, Neusa Maria Grutka Crissi, tinha apenas 16 anos. Ela conta que só soube da lesão no cérebro do filho 1 ano após o parto. “No hospital, não me falaram nada. Ele parecia um bebê saudável, bem gordinho. Eu, muito nova e de origem humilde, nem desconfiei. Com o passar dos dias, notei que havia algo errado”, relata.
Só o amor nos torna completos e humanos”
Alexandro de Andrade, escritor
Quando recebeu o diagnóstico, Neusa prometeu a si mesma que faria de tudo para o filho levar uma vida normal. Apesar das severas restrições de movimento e de fala, a paralisia cerebral não afetou a inteligência de Alexandro, o que deu muita esperança para Neusa. “Nunca o tratei como se fosse diferente dos outros”, garante.
Os estudos
Dos 9 aos 20 anos, ele frequentou a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Durante o período, a mãe conta que o filho aprendeu a ler e a escrever. “Um pouco antes de o Alexandro frequentar a Apae, eu comecei a ensiná-lo. Ele aprendeu o básico comigo, em casa, e, depois, foi se aperfeiçoando”, explica.
Mas a vontade de estudar não parou por aí. Depois de ir à associação por 11 anos, Alexandro decidiu que queria ter os diplomas dos ensinos fundamental e médio. Após um longo tempo de espera, ele, finalmente, passou a assistir às aulas no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (Ceebeja).
“Lutei muito para que meu filho conseguisse estudar. Foi um desafio. Tenho fama de ser uma pessoa briguenta. Mas, até hoje, só briguei com os outros para defendê-lo. E vou continuar assim até o fim”, justifica. Em 2002, então, ele conseguiu concluir os estudos.
Desde então, o maior sonho de Alexandre tem sido cursar publicidade e propaganda em uma faculdade. Mas, segundo ele, está um pouco difícil de conseguir. Enquanto luta por uma vaga no ensino superior, o escritor segue sua vida em um quartinho no bairro Boqueirão: prepara o segundo livro, assiste a três novelas e ouve, todos os dias, as canções de Fábio Jr, sonhando também com um final feliz.
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Fonte: G1