Selton Mello recorre à imagem do circense melancólico para homenagear a tradiçã. o verbal do humor brasileiro
Dizem que o circo é uma família, e a de Benjamin (Selton Mello) está em crise.
Enquanto todos ao seu redor estão em harmonia em seus laços - o casal de acrobatas, os irmãos músicos, o ilusionista e sua filha - o palhaço conversa pouco com seu pai (Paulo José), também palhaço e dono do picadeiro. Existe algo incomodando Benjamin em O Palhaço, e não parece ser somente a pressão para comprar um ventilador novo para a namorada do pai, Lola (Giselle Motta), a dançarina do circo.
Em entrevistas, Selton Mello diz que este seu segundo longa-metragem como diretor, depois de Feliz Natal, não tem nada de autobiográfico. O ponto de partida, porém, foi a crise criativa que tomou o ator em 2009 - o artista que se questiona no filme e que vai atrás da sua identidade (literalmente, já que Benjamin tem só uma certidão de nascimento caindo aos pedaços) seria uma forma de encarar e curar essa crise.
O Palhaço tem um pouco de Wes Anderson também. Por onde passam, Benjamin e sua trupe são mostrados com aqueles enquadramentos geométricos de tableau vivantque marcam o cinema de Anderson - e Benjamin, com sua fala engasgada e sua postura reta, de quem enrijeceu com tantos dilemas mal resolvidos, bem que podia ser um dos excêntricos Tenenbaums.
O que torna o filme particular, e não só um apanhado de (boas) referências, é que elas estão servindo em O Palhaço para fazer um elogio autêntico da tradição brasileira do humor verbal. Os enquadramentos geométricos transformam toda situação num palco em potencial. Quando Benjamin e os demais encontram o mecânico ou o delegado (Tonico Pereira e Moacir Franco em suas respectivas participações especiais), os personagens são dispostos na cena para que um fique no "palco" (a oficina, a mesa do delegado) e os demais fiquem na "plateia" (o banco dos réus onde Benjamin se senta).
No fundo, é nessa homenagem a nomes da comédia nacional que Selton Mello - e Benjamin - encontra a cura da sua crise. É uma cura pela coletividade, por sentir-se parte de algo, sentimento que tem uma boa expressão justamente no mundo do circo.