quarta-feira, 2 de julho de 2014

Mauricio de Sousa fala sobre criação de personagens com deficiência

Dorinha e Luca são personagens com deficiência criados por Mauricio de Sousa.
Dorinha e Luca são personagens com deficiência criados por Mauricio de Sousa.
Quem nunca ouviu falar em Mônica, Cebolinha, Magali, Cascão? Criados pelo jornalista e cartunista Mauricio de Sousa, esses e outros personagens da Turma da Mônica marcaram e marcam a infância de muita gente. O que poucos talvez saibam é que o desenhista e criador dessas histórias em quadrinhos responde também pela criação de personagens com deficiência, que desde 2004 figuram nos enredos das revistinhas da Turma.
Com Luca, um garoto cadeirante, Dorinha, uma menina com deficiência visual inspirada em Dorina Nowill, André, um menino com autismo, e uma personagem feminina com síndrome de Down, que ainda está em fase de desenvolvimento, Mauricio quer passar para as crianças a importância da inclusão. “A Turma da Mônica é um grupo de personagens que vivem e agem como crianças normais, como nossos filhos ou conhecidos. Todos nós temos amigos com algum tipo de deficiência e convivemos harmônica e dinamicamente. Aprendemos as regras da inclusão aí”, contou ele em uma entrevista ao site Vida mais livre.
Veja destaques da entrevista:
VML: Quando e por que surgiu o interesse por personagens com algum tipo de deficiência?
Mauricio de Sousa: A Turma da Mônica é um grupo de personagens que vivem e agem como crianças normais, como nossos filhos ou conhecidos. Todos nós temos amigos com algum tipo de deficiência e convivemos harmônica e dinamicamente. Aprendemos as regras da inclusão aí.
Consequentemente, não poderíamos deixar de apresentar, no universo dos nossos personagens, amiguinhos da turma que também tivessem algum tipo de deficiência. Até acho que demorei muito para perceber esse vazio nas nossas histórias.
VML: Você se recorda da situação em que teve a ideia de criar o primeiro desses personagens?
Mauricio de Sousa: Acho que foi quando criamos uma história onde um novo amiguinho da turma surgia de muletas. Ele participou de uma ou duas histórias, mas depois sumiu. Ficou a necessidade de mantermos esse tipo de convívio. Posteriormente, fui buscar um cadeirante para preencher o espaço.
VML: Conte um pouco sobre o processo de criação da personagem Dorinha.
Mauricio de Sousa: Quando pensei em criar uma menina cega, busquei uma referência e me veio a figura de Dorina Nowill, da Fundação do mesmo nome. Dorina, líder, de inteligência brilhante, sem preconceitos (para com os videntes), elegante, preocupada com a causa de mostrar caminhos aos cegos. Tirei daí tudo da Dorinha.
VML: Você também criou o Luca, que é cadeirante. Como ele foi criado? Foi inspirado em alguém, assim como a Dorinha?
Mauricio de Sousa: Para criar o Luca, conversei com os atletas paraolímpicos, o que foi, para mim, uma descoberta e uma alegria. Eles são muito bem resolvidos, também. Entusiasmados, alegres, espertos, inteligentes, com o moral lá em cima. Foi fácil transpor esse clima para o personagem, que continua acontecendo muito fortemente nas nossas histórias, a ponto de a Mônica, nos quadrinhos, estar meio de asinha caída para o Luca.
VML: Além da Dorinha e do Luca, há também o André, com autismo, e uma menina com Síndrome de Down, correto? Conte um pouco mais sobre estes personagens.
Mauricio de Sousa: O André nasceu de um estudo que fizemos para uma campanha. Saiu uma revistinha muito gostosa, que serviu e serve para muita gente entender um pouco melhor o autismo e suas diversas manifestações. Já a menina com Down é mais recente, pouco conhecida e ainda não suficientemente utilizada nas histórias. Está ainda em fase de estudos, devido à variação de graduações que o Down apresenta. Ainda estou buscando em que nível está a menina.
Leia a entrevista completa no site Vida mais livre.
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Os olhos do Maracanã


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Rio - No meio da multidão do Maracanã, das cores e do festival de imagens no jogo entre Equador x França, um grupo de cegos consegue acompanhar o jogo como se estivessem vendo cada lance, cada drible e colocando as mãos na cabeça por um gol perdido como qualquer outra pessoas. Sem conseguir ver, a experiência de presenciar um jogo é resultado de pura emoção ao ponto de poder até mesmo acompanhar o momento de levantar para fazer a ola.
Mas isso só é possível graças a uma narração especialmente preparada para o grupo de deficientes visuais e que conta, a cada segundo por meio de um transmissor de rádio, tudo que está acontecendo no campo e nas arquibancadas. Eles são os olhos de cegos que, graças a um projeto da ong Urece Esporte, começam a poder ir ao estádio. E justamente na melhor Copa em décadas.
Gabriel Mayr e Eduardo Butter são dois dos narradores voluntários que contam, dentro do Maracanã, cada um dos lances. Suas palavras são transmitidas por uma frequência de rádio e basta os cegos sintonizarem na estação correta e podem estar em qualquer lugar do estádio, inclusive no meio de uma barulhenta torcida equatoriana.
Uma primeira impressão poderia levar uma pessoa a pensar que não existe motivo para uma narração especial, já que locutores de rádios tradicionais fazem justamente o mesmo trabalho, contando a quem não está vendo o jogo cada lance e transportando o ouvindo para dentro da partida.
Mas os envolvidos com o projeto e mesmo os cegos alertam que não é a narração tradicional que os serve. No fundo, ela deixa de lado questões e descrições fundamentais de um jogo.
A explicação é simples: quem escuta um locutor já foi alguma vez na vida a um estádio ou pelo menos viu os lances pela televisão. No caso dos cegos, eles não tem qualquer referência e tudo precisa ser explicado, do movimento da bola, ao material usado nas camisetas, do banco de reservas a uma eventual ola da torcida.
“Não podemos gritar gol como um narrador por vários segundos”, explicou Mayr, que foi treinado por meses para fazer a audiodescrição. “O que temos de explicar naquele momento é justamente como foi o lance, para onde o artilheiro correu, quem ele abraçou, como está a reação da torcida”, disse Butter.
Essa não é a única diferença. Ao contrário de uma rádio tradicional, os narradores não podem dizer que um drible foi “lindo” e nem qualificar o jogo. “Isso compete a cada um que está escutando. Não podemos fazer juízo de opinião”, disse Mayr.
Até a ola é narrada. “Quando os cegos escutam o barulho da torcida, não sabem se é uma briga. Então temos de dizer que a ola está sendo feita e onde está indo”, explicou Butter. O narrador conta como foi surpreendido em uma ocasião quando se deu conta que os cegos imaginavam que o banco de reservas era um banco de madeira e reto. “Eles não imaginavam que era uma poltrona”.
Emoção - A narração ainda coloca por terra a ironia de Luis Fernando Veríssimo, que aponta que os locutores são fundamentais para que a torcida saiba se um jogo foi bom ou ruim.
Entre os cegos, a surpresa diante do novo serviço foi a disparidade entre o que as rádios colocam como a emoção do jogo e de fato o que os narradores estão explicando. “Alguns deles nos vieram dizer que, quando colocavam na rádio para escutar Bélgica x Rússia, a impressão era de que seria um jogo emocionante. Quando mudavam de frequência e nos escutavam, tinham a impressão de que o jogo estava ruim. Tentamos ser mais fieis ao que está acontecendo em campo”, explicou Mayr.
Os coordenadores do projeto admitem que tentam equilibrar o que é emoção e o que é a narração isenta de comentários.
Anderson Dias, um dos cegos que estava no estádio ontem, admite que as vezes alterna a locução especial para a da rádio para dar um “emoção extra”. Mas admite que o gol sai primeiro na narração preparada para os cegos.
O Estado ouviu parte do jogo com a narração e os detalhes vão desde o suor de um jogador, do fato de que alguns deles levam a gola da camisa para cima e uma descrição de onde estão cada uma das torcidas e o que vestem.
Entre os narradores, a satisfação é enorme quando eles conseguem ver que os cegos levantaram as mãos ao mesmo tempo que o resto da torcida. “Isso significa que eles podem acompanhar os lances como qualquer um no estádio e isso é muito especial”, declarou Butter.
A Fifa vai agora deixar os seis transmissores portáteis e as antenas para o Brasil e a esperança dos coordenadores do projeto é de que o mesmo sistema comece a funcionar em jogos do campeonato brasileiro e estaduais. Mas eles enfrentam um obstáculo: precisam ainda de uma autorização da Anatel para liberar a frequência.
Dias, que perdeu a visão com três anos, admitia que ainda falta maior treinamento para os narradores e que ele espera um dia ouvir também a locução com emoção. Mas não disfarça a emoção, principalmente quando levantava as mãos para acompanhar a ola que havia sido alertada pela audiodescrição. “Agora nós também podemos vir aos estádios”, comemorou.
 ESTADÃO