domingo, 2 de novembro de 2014

Novidades nos estudos do autismo

A neuropediatra Mariane Wehmuth fala das novidades e do trabalho do Centro de Neuropediatria do HC
02/11/2014 | 00:14 |
Antônio More/Gazeta do Povo / Mariane Wehmuth com o garoto autista Otávio Augusto, no lançamento do seu livro
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) atinge cerca de 70 milhões de pessoas no mundo e tem levado o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos a atualizar a prevalência anualmente. Em 2013, considerava-se que uma em cada 89 crianças fizesse parte do espectro. Mas este ano a proporção foi corrigida para uma em cada 68 crianças com 8 anos de idade, o equivalente a 1,47 % da população.
Diante da alta demanda de famílias por diagnóstico e tratamento de seus filhos com autismo, o Centro de Neuropediatria do Hospital das Clínicas (Cenep), em Curitiba, iniciou um trabalho com médicos que, muitos deles voluntariamente, se dedicam a atender esses pacientes. Este ano, o ambulatório do Cenep deu um passo adiante, que ultrapassou as paredes dos consultórios.
Com o lançamento do livro Autismo, Perspectivas no Dia a Dia, a equipe de médicos reuniu informações sobre o diagnóstico do transtorno, tratamento medicamentoso e terapias como fonoaudiologia, musicoterapia e uso de tecnologias digitais. Na obra também aparecem depoimento de pais e são abordados os direitos da pessoa com autismo e informações sobre a inclusão escolar. A reportagem conversou com uma das autoras do livro, a médica neuropediatra Mariane Wehmuth, que esclarece algumas questões sobre o transtorno, que tem ganhado proporções epidêmicas nos últimos anos.
Por que é tão difícil identificar esses casos?
Infelizmente ainda hoje há atraso e dificuldade no diagnóstico, pois, por se tratar de um diagnóstico clínico, requer uma avaliação detalhada da criança, não só nos breves momentos da consulta, mas levando em conta sua história clínica e os comportamentos em todos os ambientes em que ela vive. Alguns profissionais ainda têm dificuldade em reconhecer algumas características do autismo, principalmente quando se trata de quadros mais leves e crianças menores. Os pacientes com sinais de risco para o autismo devem ser avaliados por uma equipe multidisciplinar, com neuropediatra, psicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, entre outros. O ideal é que um profissional de referência, geralmente o neuropediatra, direcione a criança para as terapias necessárias de acordo com cada dificuldade e com as necessidades de cada momento, de forma muito individualizada.
Embora esteja ultrapassado, o antigo conceito da psicologia que ligava o quadro de autismo de uma criança à falta de afeto ou atenção vindo da mãe ainda aparece vez ou outra na fala desses profissionais. Que real impacto o comportamento dos pais pode ter no desenvolvimento de autismo em seus filhos?
O autismo é um transtorno neurobiológico, com componentes genéticos importantes em sua origem. Não existe nenhuma relação da falta de afetividade dos pais em relação ao autismo, embora ainda exista uma corrente de estudiosos que mantenham essas afirmações. Os pais geralmente são os primeiros a perceber as alterações que as crianças com autismo apresentam. Muitas vezes até instintivamente eles acabam estimulando as crianças desde muito cedo a melhorar o contato visual e a linguagem. Porém, como para qualquer criança em desenvolvimento, o papel dos pais é fundamental na estimulação desde muito cedo, em todos os aspectos do neurodesenvolvimento. Isso acontece através da fala, das brincadeiras e do modo de oferecer desafios diários para a criança.
No último Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, houve mudanças importantes referentes ao autismo. Foram incluídas no livro as últimas alterações internacionais? O que mudou na prática?
Sim, o livro aborda todas essas mudanças. A nomenclatura passou a ser diferente (Transtorno do Espectro Autista em vez de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento), não existe mais subdivisão como Síndrome de Asperger, por exemplo, os pacientes podem ser classificados em graus de comprometimento e devem ser especificados se há associação com outras doenças, síndromes genéticas conhecidas ou exposição a fatores ambientais. Incluíram as questões sensoriais para os critérios de diagnóstico, entre outras coisas. Na prática, o diagnóstico se torna mais completo.
Quais os maiores desafios quando se fala em autismo no Brasil?
Diagnóstico precoce, acesso ao tratamento multidisciplinar de qualidade (mesmo na rede particular), falta de estrutura. Precisamos de centros integrados que prestem atendimento em um só lugar com todas as terapias necessárias, e que os profissionais falem a mesma língua. Falta ainda capacitação de todos os profissionais, desde a escola a profissionais da saúde, como os médicos.
Como é o trabalho direcionado ao autismo no Cenep?
O ambulatório brotou aos poucos dessa necessidade. Unimos pessoas interessadas no assunto, com vontade de fazer algo a mais pelas crianças. Quase todos os profissionais são voluntários. Não somos o modelo ideal, não temos terapias semanais regulares para o atendimento de todas as crianças. Trabalhamos com algumas terapias e direcionamos as crianças para o que é possível fora, muitas vezes através de parcerias. Orientamos terapeutas externos e as escolas no trabalho com as crianças. Trabalhamos muito com pesquisa e com cursos de capacitação, para ampliarmos essa rede de atendimento. Precisaríamos da contratação de profissionais e de um local mais adequado para o atendimento, porque o Cenep está ficando pequeno.
http://www.gazetadopovo.com.br/viverbem/saude-bem-estar/conteudo.phtml?tl=1&id=1510190&tit=Novidades-nos-estudos-do-autismo