segunda-feira, 3 de agosto de 2015

‘Quero meu filho pronto para o mundo’, diz mãe de autista

Mãe procurou ajuda para cuidar do filho com autismo (Foto: Isabela Ribeiro / G1)

Tratamento em entidade busca inclusão na escola e mercado de trabalho
Local atende 116 pessoas em Bauru (SP), a maioria crianças.

Do G1 Bauru e Marília
Com o objetivo de promover a inclusão de autistas na escola e no mercado de trabalho, uma entidade de Bauru (SP) oferece tratamento gratuito a 116 pessoas com doença em Bauru (SP), a maioria crianças. Gustavo Henrique Veiga, de 8 anos, é um deles. O menino se desenvolveu até os dois anos e oito meses de idade como uma criança normal. Mas uma mudança drástica no comportamento levou ao diagnóstico que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge cerca de 70 milhões de pessoas no mundo.
Gustavo faz tratamento na Sorri em Bauru (Foto: Isabela Ribeiro / G1)Gustavo faz tratamento na Sorri em Bauru
(Foto: Isabela Ribeiro / G1)
A mãe de Gustavo, Maria Veiga, de 47 anos, procurou a Sorri, um centro de reabilitação para pessoas com deficiência, depois que o filho passou a ter convulsões e apresentar um comportamento agressivo. Ela conta que Gustavo, que é o caçula dos quatro filhos, voltou a usar fraldas, não comia e não falava, se comunicava apenas por gestos. Essa foi a fase mais difícil, pois ela sempre fez questão que ele estudasse em uma escolar regular. Muitos autistas tem dificuldade de interagir com outros, especialmente da mesma idade, e preferem brincar sozinhos, mas a inteiração é fundamental para o desenvolvimento. ''Quero meu filho pronto para o mundo. Se ele não interagir, não vai conseguir'', ressalta.

Na instituição, ele foi diagnosticado com autismo e o tratamento começou a ser realizado três vezes por semana. ''O Gustavo não queria ir, várias vezes cheguei com ele só de cuequinha, descalço. Meus filhos me ajudavam a levá-lo no ponto de ônibus. Ele segurava no ônibus e não tinha quem o tirasse de lá. Quando chegava na Sorri ele não queria entrar, às vezes nem conseguiam trabalhar com ele por seu estado crítico, mas aos poucos ele foi melhorando'', disse Maria.
Quero meu filho pronto para o mundo. Se ele não interagir, não vai conseguir"
Maria Veiga, mãe
A doença
De acordo com a fonoaudióloga da Sorri, Aline Martins, a criança nasce autista e por vezes demonstra os sinais logo no início da vida, não olhando para a mãe na hora da amamentação ou preferindo ficar isolada no carrinho, por exemplo. Mas algumas delas se desenvolvem normalmente até os dois anos e só então começam a perder algumas capacidades como fala, locomoção, contato visual, compreensão de comandos, socialização e a interação.

“Esse processo de reorganização dos neurônios nessa faixa etária é natural em todas as crianças, mas na criança autista, ele não ocorre de forma adequada, podendo gerar inúmeras situações”, explica. Ainda segundo a profissional, o autista desenvolve algum distúrbio em uma das três áreas do desenvolvimento: comunicação, interação ou comportamento. Essas alterações variam muito o grau e o tipo.  “Uma criança autista pode ter o comportamento bom, mas a comunicação falha, ou comunicação muito boa mas ser agressivo e ter um comportamento inadequado”, completa.

No início, Gustavo tinha dificuldade nas três áreas. Depois de quase cinco anos de tratamento, agora a dificuldade é apenas na interação. Gustavo frequenta a Sorri uma vez por semana e tem atendimentos com psicólogos, terapeutas ocupacionais e preparadores físicos. Na escola, ele é acompanhado por uma educadora exclusiva.
Profissionais de várias áreas trabalham no tratamento (Foto: Isabela Ribeiro / G1)Profissionais de várias áreas trabalham no
tratamento (Foto: Isabela Ribeiro / G1)
''O autista é como uma criança que tem deficiência visual e precisa de óculos, ou auditiva e precisa de um aparelho, ou como um cadeirante que precisa de rampa. O autista precisa de uma adaptação do material escolar. A apostila que vem cheia de informações e desenhos coloridos, que as crianças adoram, atrapalham os autistas. Eles precisam de uma informação limpa, para a qual eles olhem e saibam o que precisam fazer'', ressalta Aline.

Gustavo fazia natação, mas já atingiu os objetivos e agora pratica arte e pintura. De acordo com Maria, este ano os resultados do tratamento estão mais perceptíveis. ''Ele ainda não sabe ler, mas já está aprendendo as letras. Ele não bate mais na parede, voltou a falar e não tem mais restrições na comida. Antes ele só comia arroz, pão e tomava leite com achocolatado, todo dia. Não andava descalço, não brincava com terra, queria tomar banho toda hora, depois não queria mais tomar banho. Em comparação com os outros filhos, hoje posso dizer que ele é uma criança normal, mais inteligente até que os outros.”
 
O autista é como uma criança que tem deficiência visual e precisa de óculos, ou auditiva e precisa de um aparelho, ou como um cadeirante que precisa de rampa. O autista precisa de uma adaptação do material escolar."
Aline Martins, fonoaudióloga
O atendimento
A equipe de autismo da Sorri auxilia as escolas na adaptação dos materiais. Fichas de comunicação alternativa, alfabeto móvel, mural de rotina, são algumas estratégias que facilitam o processo de aprendizagem da criança nos atendimentos e nas escolas.
''A habilidade visual do autista é muito maior do que auditiva. Por vezes, algum comando auditivo não é compreendido, mas se eu tento a comunicação visual, o desenvolvimento dele é maior. Eles também têm muita ansiedade, então não entendem o que é esperar, que só depois do almoço irão ganhar um doce. Eles compreendem muito mais quando isso é colocado visualmente'', explica Aline.

A fonoaudióloga ressalta ainda que as crianças autistas precisam ser ensinadas a brincar, diferentemente das outras crianças que tem essa capacidade inata. Elas têm muita dificuldade com a atividade lúdica e muitas vezes usam o brinquedo sem função. ''Elas mexem na roda do carrinho ou tem fixação pela luz do brinquedo, por exemplo. A psicóloga trabalha nessa área porque a partir do brincar e ensinar, que é a primeira base da criança, ela aprende todas as outras coisas, desde a parte do comportamento, do não se bater, diminuir movimentos estereotipados, até aceitar regras da sociedade, rotina, inclusão escolar.”

O tratamento na Sorri é individualizado, de forma que responda às necessidades específicas de cada criança. Um planejamento é feito sobre as dificuldades que precisam ser trabalhadas de forma individual e, quando tem início a parte da interação, as atividades são conjuntas. Além dos atendimentos internos, alguns autistas tem a chance de fazer atividades extras, como natação, musicalização, arte e pintura, equoterapia e a parte de informática quando o autista entra na fase da adolescência, a fim de prepara-lo para a inclusão no mercado de trabalho.

Gabriel Cesar, coordenador de comunicação da Sorri, explica que a instituição preza pela inclusão na escola regular e no mercado de trabalho. A Sorri atende hoje 116 autistas de forma totalmente gratuita, entre 2 e 21 anos, e recebe da Secretaria de Educação de Bauru R$ 260 por mês para cada usuário. Porém, devido a complexidade dos atendimentos, a instituição gasta cerca de R$ 510 com cada um deles. Esse valor extra é conseguido por meio de doações e eventos realizados pela própria instituição, para captar recursos.
Terapia ajuda no desenvolvimento do autista (Foto: Isabela Ribeiro / G1)Terapia ajuda no desenvolvimento do autista (Foto: Isabela Ribeiro / G1)
G1http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2015/08/quero-meu-filho-pronto-para-mundo-diz-mae-sobre-inclusao-de-autistas.html