domingo, 23 de março de 2014

'Quando deito na minha cama, peço que quero andar', revela Lais Souza

O Fantástico deste domingo mostra uma história em que "coragem" é um substantivo tão feminino quanto o nome "Lais".

Lais: “Todo dia, quando eu deito na minha cama, eu peço que eu quero andar”.
Lais Souza, ginasta que defendeu o Brasil em duas Olimpíadas. Esquiadora que conquistou vaga para as olimpíadas de inverno. Teve a carreira interrompida por um acidente de esqui, no estado americano de Utah.

Tadeu: Você já teve um dia de pegar e lembrar tudo?
Lais: Não.
Tadeu: Podemos fazer isso agora?
Lais: Vamos fazer.
Tadeu: Como foi o dia do acidente? Você acordou, foi esquiar, você lembra?
Lais: Lembro, lembro, isso eu lembro. Nosso técnico marcou um treino de esqui.

Foi no dia 27 de janeiro. Lais se preparava para as Olimpíadas de Inverno disputadas na Rússia em fevereiro, no esqui estilo livre. Nessa modalidade, o atleta desce por uma rampa, salta, faz suas acrobacias, aterrissa em alta velocidade, e precisa frear.
Tadeu: E esse treinamento era pra treinar freadas mais bruscas?
Lais: Velocidade e freio.
Tadeu: Pegar velocidade e frear bruscamente.
Lais: Exato.
Tadeu: Em que momento aconteceu o acidente?
Lais: Foi o seguinte. Foi um momento que eu tava numa velocidade grande, bem grande. E eu fui de lado tipo pra dar uma freada mesmo. Então, eu freei e lembro disso assim. Depois disso, eu não lembro de mais nada.
O acidente foi numa pista cercada de árvores, e não teve testemunhas.
O que se sabe é que Lais teve um choque violento com a cabeça, provavelmente contra uma árvore.
No choque, houve um deslocamento entre a terceira e a quarta vértebras, esmagando a medula de maneira gravíssima. Neste momento, a Lais perdeu toda a sensibilidade e a capacidade de produzir movimentos do pescoço para baixo, porque é a medula que transmite os comandos do cérebro até as diversas partes do corpo e recebe as sensações percebidas por essas partes.
Lais: Não senti frio nenhum.
Tadeu: Dor?
Lais: Dor também não.
A medula da Lais estava gravemente ferida. Houve isquemia, ou seja, o sangue parou de chegar à medula. Hemorragia. Muito sangue espalhado. A medula ficou muito inchada. O edema se estendia para baixo da lesão e também para cima, quase chegando à base do cérebro. Lais corria um risco altíssimo de morrer.
Lais: Eu tenho cenas assim. Logo acho que depois que eu caí, eu lembro meu técnico me chamando. Tipo com uma voz meio desesperada, chorando, ofegante. Eu desmaiava, não sei. No helicóptero eu lembro, o barulho assim...
Tadeu: Tudo em flashes.
Lais: É, em flashes.
Tadeu: E depois do helicóptero?
Lais: Depois do helicóptero, só a UTI.
Foi feita uma cirurgia para realinhar a coluna e reativar o fluxo sanguíneo pra medula. O doutor Antonio Marttos foi chamado pelo Comitê Olímpico Brasileiro para acompanhar a Lais. Chegou no dia seguinte.
Dr. Marttos: Quando chegamos lá, na primeira hora, conversei com o médico cirurgião, com a médica intensivista, todo mundo que atendeu, nós vimos a gravidade da lesão.

O prognóstico era desanimador. Mas foi aí que a Lais começou uma série de conquistas que impressionou a todos.

Dr. Marttos: A estatística era contra a gente.

Ela venceu a morte duas vezes. Na queda e numa pneumonia contraída nos primeiros dias.

Dr. Marttos: Dia após dia, semana após semana, ela tinha evoluções positivas que realmente surpreendiam a nós.

Uma semana depois, ela foi transferida para Miami, pra ser atendida no hospital Jackson Memorial com o apoio da Universidade de Miami, referência no tratamento de lesões na coluna.
A traqueostomia, o buraquinho feito na garganta pra facilitar a respiração, e a sonda de alimentação poderiam ser pra vida toda. Lais se livrou delas rapidamente.

Lais: Estou comendo de tudo. De tudo mesmo. Comi picanha nesses tempos.

Mas para chegar a esse ponto que veio a vitória mais fantástica. Imaginava-se que a Lais ia precisar de um marca-passo no diafragma, um ventilador mecânico para respirar por toda a vida. Três semanas depois do acidente, ela tava respirando sozinha.
Lais: Para tirar o ventilador, eu cantei muito.
A ideia foi da Denise. Fisioterapeuta e amiga de muitos anos, que veio ajudar a Lais assim que soube do acidente.
Denise: Eu falei pra ela, vamos cantar. Porque é um jeito, você tentar cantar junto com o cantor e ir ganhando expansão pulmonar. E nesse dia, botei uma música que ela gostava, ela começou a dançar, brincar e eu engatei com ela cinco horas cantando.  No final das contas ela estava com 100% de oxigênio e respirando sozinha.
Respirando e se alimentando normalmente, a Lais segue com a fisioterapia. Numa, eletrodos dão pequenos choques, provocando a movimentação dos músculos. O bom humor, nem no começo precisou de estímulo.
Marttos: Quando ela tava na UTI, não conseguia falar, mas ela chamava a Denise. Como você chamava?
Lais: Chamava com beijo. Primeiro eu chamei assim, barulho. Porque era alto, era o barulho mais alto que eu conseguia fazer. Aí eu soltava um pum.
Coragem é dar uma cambalhota sempre que a tristeza bate.

Lais: Eu tenho um momento de tristeza, eu vivo ele, encaro ele, choro. Nem todo momento eu sou forte, choro pra caramba. Tem que ter, né? Dá energia você voltar, pensar, refletir. É a punhalada que você leva pra continuar.

Tadeu: Nessa lista de conquistas diárias da Lais, o próximo passo é ela ficar em pé na cadeira de rodas. O que falta pra ela conseguir isso?
Marttos: Falta ela conseguir adequar o corpo dela à mudança pra manter a pressão arterial.
Tadeu: Quando ela fica em pé a pressão cai?
Marttos: Ainda cai um pouquinho mas ela tá muito próxima, ela faz exercícios diários pra isso e está muito próxima de conseguir mais essa conquista.

Coragem é sonhar com o brinquedo novo.
Tadeu: Eu peguei a sua cadeira emprestada pra mostrar como é que você vai fazer o próximo passo.
Lais: Você já pegou a cadeira?
Tadeu: Já peguei.
Lais: E aí?
Tadeu: Arrebentei.

Até aqui, isso é o que se pode prever. Só quando a medula desinchar totalmente, a Lais vai saber como será a vida dela. É o que explica o fundador do projeto Miami para a cura da paralisia.

Dr. Green: A medula ainda está inflamada, ainda está ferida, então ela tem o potencial de se recuperar naturalmente.

Denise: Ela começou a sentir o dedo. Comecei a dar agulhada, ela "ai".
Mãe: Nunca imaginava que, poxa, uma furadinha de agulha ia ser tão importante.
Tadeu: No dedinho.
Mãe: No dedinho.
Tadeu: Aí vibra todo mundo.
Mãe: Vibra todo mundo.

Denise: Eu grito, eu beijo ela, eu dou risada. Choro. Ela comemora junto, eu acho importante ela comemorar cada pelo que arrepiar. Porque realmente é uma vitória.

Lais: Eu senti vontade de fazer xixi.
Tadeu: E isso é surpreendente.
Lais: Demais, demais.
Tadeu: Em tese não era pra você sentir.
Lais: Nunca. Nada, nada. Não era pra sentir nada.

A previsão do neurocirurgião é de que nas próximas semanas a Lais comece a terapia com células-tronco.
Dr. Green: As regiões atingidas na medula, aqui em cima, agem como um ímã. Elas atraem as células-tronco para acelerar o processo de recuperação.
Lais: O que tiver que fazer a gente está aí, vamos tentar.
Tadeu: Você já pensou na possibilidade de a sua recuperação não ser exatamente como você sonha?
Lais: Já.
Tadeu: E quando você pensa nisso o que você pensa do futuro?
Lais: Dá um pouco de medo.

Dr Green: O que eu sei de pacientes com a paixão e a determinação da Lais é que eles acabam sendo bem-sucedidos na vida, usem ou não uma cadeira de rodas.
Lais: Eu penso na solução do problema. O que eu posso fazer pra melhorar. Já que eu não posso mudar isso, o que eu posso fazer pra melhorar. Estou lá me matando pra mexer aquele músculo.
Tadeu: E conseguir um pouco mais.
Lais: E conseguir um pouco mais. O que vocês conseguiram ver hoje foi o tal do pouquinho mais. Entendeu?

Tadeu: Eu queria que a gente fizesse um último exercício de respiração antes de eu ir embora. Eu gostei muito do jeito que vocês fizeram o exercício de respiração, mas eu pedi uma ajudinha.
Ana Carolina: Oi, Lais, eu fiquei super emocionada em saber que “Encostar na sua” está fazendo parte da sua recuperação. E agora vamos fazer o exercício, vamos cantar um pouquinho a nossa música, que agora virou nossa música.

Na despedida, todo mundo fez o "L" da campanha "força, Lais", para a arrecadação de doações pro tratamento.