sexta-feira, 20 de junho de 2014

Sou diferente - penso e existo na escola


Entendemos a escola como espaço e tempo de relações – espaço, fazendo menção a um lugar determinado, que é este e não outro; a escola específica, datada, murada, visível; tempo porque é passado, presente e futuro, é instante e de relações porque nela a vida que se vive junto acontece! Um espaço/tempo de relações, onde a diferença (a multiplicidade) é uma realidade em meio à qual, necessariamente, são constituídos os vínculos, para o bem ou para o mal, em que se dão as experiências.
 As relações se dão entre os diferentes e na diferença! Quando dizemos o diferente e na diferença estamos marcando duas situações, embora caminhem juntas. Ao dizermos o diferente referimo-nos ao outro, aquele que, simplesmente por ser outro já é diferente de mim; quando dizemos na diferença, fazemos referência à contingência, por exemplo, na escola os educandos estão imersos na diferença; especificamente nesse espaço/tempo estão em relação um eu e os outros, os quais, por serem outros e, portanto, diferentes, criam para esse eu um espaço/tempo na diferença.
Barbara Smith, em seu livro Crença e resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea alude a um problema ao qual teremos que dar maior atenção, a saber, a natural dificuldade que temos para aceitar e, mais ainda, conviver com o diferente, na diferença. Tal é a dificuldade, apontada por Smith, de considerar, individualmente, ou constituir, do ponto de vista teórico ou institucional, o que chamamos multiplicidade, em razão de nossas resistências às diferenças, seja do ponto de vista do indivíduo, seja numa perspectiva epistemológica:

Se aquilo em que acredito é verdadeiro, como o ceticismo ou a crença diferente de uma outra pessoa é possível? [...] uma tendência mais geral aqui, qual seja, “autoprivilégio epistêmico” ou “assimetria epistêmica”, isto é, nossa inclinação a pensar que acreditamos nas coisas verdadeiras e razoáveis em que acreditamos porque elas são verdadeiras e razoáveis, ao passo que outras pessoas acreditam nas coisas tolas e revoltantes em que acreditam porque há algo errado com elas. [...]. (SMITH, 2002, pp.17-18).

Note-se que não estamos tratando aqui apenas da diferença religiosa, aliás, temos como hipótese que, ao menos na escola, não é essa a diferença que mais importa para a vida que se vive juntos ali, mas tratamos dos diferentes magrinho e gordinho, dentes, sem dentes e dentes amarelados, com e sem óculos, cabelos lisos e encaracolados, com e sem posses, que pensam assim e de outro jeito, que gostam desse autor e não de outro, que aprendem ouvindo o professor ou lendo, e mais e mais, uma lista infinita de motivos para considerar o outro diferente e, portanto, passível de desconfiança nas relações e no conhecimento.
Martin Buber, em seu livro Sobre comunidade, ao pensar numa educação para a comunidade onde exista a “comunialidade”, ou seja, um estar juntos dinâmico, considerou que esta precisaria acontecer não sobre homens semelhantes e feitos, formados e ordenados de modo semelhante, mas sobre pessoas formadas e ordenadas diferentemente e que mantém uma autêntica relação entre si, considerando assim a diferença, a qual, como podemos constatar em nosso cotidiano, é inevitável. Partindo dessa diferença e da consideração da situação da humanidade contemporânea, Buber afirmou, como um dos sentidos da comunidade, a própria multiplicidade de pessoas e sua relação e apontou que a estrutura desta multiplicidade, por sua vez, não poderia reprimir ou impossibilitar a relação autêntica. (Cf. BUBER, 1987, pp. 87-88).
Por meio da realidade em que vivemos, cercados de exemplos cotidianos e diários de dificuldades para convivermos uns com os outros, a temática da diferença toma corpo e nos exige, de um lado, uma mudança de postura e, de outro, maior conhecimento para nos convencermos, nós e os outros, de que é na diferença que a vida acontece e pode, inclusive, ser mais rica! Barbara Smith e Martin Buber são sugestões de leituras para esse fim...

Referências Bibliográficas:

BUBER, Martin. Sobre Comunidade. Trad. Newton Aquiles Von Zuben. Seleção e introdução de Marcelo Dascal e Oscar Zimmermann. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. 
CÂNDIDO, Viviane C. Epistemologia da Controvérsia para o Ensino Religioso:  aprendendo e ensinando na diferença, fundamentados no pensamento de Franz Rosenzweig. 2008. 412f. Tese (Doutorado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
SMITH, Barbara Herrnstein. Crença e Resistência: a dinâmica da controvérsia intelectual contemporânea. Trad. Maria Elisa Marchini Sayeg. São Paulo: Editora UNESP, 2002.