quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Pressão de minorias modifica a linguagem



Gazeta do Povo

Evaristo Sá/Afp / “Eu fiquei muito impressionada como a tecnologia pode nos ajudar a dar condições melhores de vida, melhores oportunidades para portadores de deficiência [vaias].  Desculpa, [o termo correto é] pessoas com deficiência. Entendo vocês porque portador não é muito humano, não é? Pessoa é [aplausos].”
As vaias que a presidente Dilma Rousseff recebeu na última terça-feira ao discursar na 3.ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência reacenderam a polêmica sobre como se referir a minorias sociais que começam a ganhar expressividade na vida política do país. Dilma usou a expressão “portadores de deficiência”, vista como politicamente incorreta. Diante da reação da plateia, ela se desculpou e utilizou o termo recomendado – “pessoas com deficiência” –, sendo então aplaudida. Outras expressões e palavras viraram tabus na atualidade. Um debate muitas vezes radical, mas, ao mesmo tempo, importante na manutenção e promoção de direitos conquistados por negros, gays, mulheres, entre outros. Conheça alguns termos que vêm sofrendo essa mudança.
Cego e surdo
Bruno Dallari, professor de Linguistica e Comunicação da UFPR
“Eu acho muito ruim todo esse movimento do politicamente correto, pois o policiamento linguístico é sempre prejudicial – tira a espontaneidade e a expressividade da língua, tornando-a artificial. Você pode até achar que tal palavra é ruim e tentar convencer o outro disso, mas não pode impor o que considera ser uma palavra melhor. Até porque, se fôssemos analisar o que está por trás das palavras, teríamos de abolir muitas, inclusive as faladas pelos militantes. E o que vale é a intenção do usuário. Se por acaso ele tiver intenção de ofender, a lei prevê punição para isso.”
Lindomar Bonetti, sociólogo e professor da PUCPR
“É admirável toda essa transformação atual no sentido de reconhecer as diferenças sociais, as singularidades, e respeitá-las. Mas há expressões que mudam muito rapidamente, de uma hora para outra. O que é correto passa a não ser, e nem todas as pessoas conseguem acompanhar a mudança rapidamente. Tem de haver paciência para que o mundo político, social e jurídico se acostume com uma nova terminologia. Quem fala deve tentar apreender a linguagem e quem escuta deve entender que isso leva um determinado tempo.”
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Palavras como cego e surdo só valem se a pessoa tiver 100% de sua visão ou audição comprometidos. Para outros casos, o mais correto é utilizar os termos “pessoa com deficiência auditiva ou visual”. O sociólogo Manoel Negraes faz parte do segundo grupo – tem 15% da visão em cada olho. Já “portador de necessidades especiais”, segundo ele, é um “eufemismo” que não dá conta da particularidade de cada pessoa com deficiência.
Portador de deficiência
O termo “pessoa com deficiência” é o mais recomendado. “O termo valoriza primeiro a pessoa, o ser humano, e depois destaca a sua condição”, diz o sociólogo Manoel Negraes, da Universidade Livre para a Eficiência Humana. A expressão “portador de deficiência”, segundo ele, é incorreta porque “tal característica não é um objeto que se porta e do qual se pode abrir mão, como um guarda-chuva”.
A simbologia do negro
Termos como “mercado negro”, “denegrir” e outras expressões que associam o negro a algo negativo também são politicamente incorretas. “É preciso entender que a palavra tem uma simbologia. Talvez você não quis dizer isso, mas a palavra quis. E para uma pessoa negra que cresce ouvindo isso, é muito ruim”, diz o presidente do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos, Paulo Pedron.
Homossexualismo
O mesmo vale para os termos homossexualidade e transexualidade. No primeiro caso, a palavra “homossexualismo”, cujo sufixo “ismo” designa doença, não é mais utilizado, sob recomendação da Organização Mundial da Saúde. Já o segundo ainda é usado pela OMS, mas há discussão para que, em breve, o termo caia, e vários órgãos, como a Organização das Nações Unidas, já deixaram de usá-la em seus relatórios.
De menor
Outro termo que caiu em desuso é o “de menor” para se referir a criança ou adolescente. Isso porque a palavra está carregada de preconceito, associando o “menor” a um criminoso, uma pessoa sem direitos ou de uma classe social inferior. A mudança do nome ocorreu também no âmbito jurídico, quando o último Código de Menores, de 1979, foi substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990.

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