A paralisia impede o americano Steve Wampler de falar e se mexer normalmente, mas não tira a energia que ele tem de viver.
Não se preocupe tanto assim com o alpinista. Steve Wampler está passando o maior aperto, ainda não tem certeza se vai aguentar a subida de quase um quilômetro, mas já enfrentou momentos muito mais difíceis.
E isso foi antes mesmo de nascer. Sem oxigênio por quase seis minutos, preso no útero da mãe, o bebezinho chegou muito perto da morte até que foi, enfim, resgatado pelas mãos do médico.
Em sua primeira escalada, Steve foi acompanhado de três alpinistas profissionais. Todos sabiam que não seria nada fácil passar seis dias na vertical, principalmente por que, em condições normais, a subida acontece num único dia.
E, apesar de toda a valentia, por duas vezes, o alpinista pensou em desistir. "Fazia mais de 30 graus, ventava, e eu não tinha água. Não tinha nem saliva na minha boca, não suava mais. De repente, esfriou muito e comecei a pensar: ‘Isso não está nada bem’".
A água estava com os companheiros e Steve precisava escalar ainda uns 30 metros pra chegar até eles.
"Eu nunca fiquei desidratado daquele jeito. Então eu não sabia o que esperar e pensava: 'Ok, se eu não melhorar vou ter que chamar o helicóptero'".
Como dá pra perceber, a paralisia cerebral que resultou das complicações do parto limita os movimentos do corpo, mas não afeta em nada a inteligência do alpinista.
E, por favor, jamais tenha pena de Steve. Ele acharia um absurdo. É um dos caras mais divertidos e felizes que você pode conhecer.
A gargalhada foi só a primeira de muitas ao longo da nossa conversa, na casa dele em Coronado, na Califórnia.
O alpinista riu à beça também quando eu disse que o achava completamente louco por aquela aventura. E, ainda sorrindo, respondeu: "Ah, muito obrigado!".
Como você pode perceber, Steve ri também de satisfação: foi o primeiro homem com paralisia cerebral a escalar a El Capitán. A montanha de 910 metros de altura que fica na parte central do Yosemite Park, na Califórnia e que, na opinião dele, é a mais assustadora do mundo.
Desistir não seria nenhuma vergonha. O esforço era astronômico e o alpinista quase perdeu a cabeça.
"Minha adrenalina subiu tanto, eu estava num estado mental diferente, assustado. Eu estava quase tendo alucinações, mas antes disso eu bebi água, descansei e consegui voltar ao normal".
Steve é pedra dura, jamais se deixa vencer. Durante mais de um ano, malhou em média cinco horas por dia, fazendo até 1,8 mil repetições de um único movimento.
No primeiro dia na montanha, subiu quase 200 metros, enfrentando nove horas de escalada. Nos dois dias seguintes, mais de sete horas. E, nesse ritmo, o alpinista avançou grande parte do trajeto.
Até que… "Teve um momento no quarto dia em que eu tive que pedir ajuda. Eu estava pendurado na encosta e precisava subir uns dez a 15 metros pela corda, o que eu demorei quase seis horas pra fazer".
Perto da exaustão, na véspera da data prevista pra chegar ao cume, Steve reduziu a jornada para apenas três horas e descansou numa lona improvisada, encostado na pedra, como quem relaxa no sofá de casa.
O homem que praticamente nasceu numa cadeira de rodas teve mil desculpas para desistir dos desafios e viver se lamentando.
Mas os pais o trataram exatamente igual aos outros irmãos e Steve nunca se sentiu especial. Fez grandes amigos brincando com os meninos do bairro, estudou em escolas públicas convencionais, se formou em engenharia ambiental pela Universidade da Califórnia e, não satisfeito, o engenheiro inquieto decidiu que estava pronto para casar.
"No começo, eu fiquei muito assustada", conta Elizabeth Wampler. "Não sabia o que dizer pra ele, eu sofria por ele, achava que ele sofria, que ele não tinha amigos e não queria vê-lo nunca mais para não ferir os sentimentos dele. Só que eu tinha acabado de me mudar para cá e encontrei com Steve em três festas diferentes. Então me dei conta de que ele era muito inteligente, divertido e carinhoso. Mas nunca pensei em sair com ele até que, numa noite, ele me convidou para jantar, eu aceitei, gostei e ele começou a me mostrar que poderíamos ter uma vida normal".
Normal? Normalíssima! Steve e Elizabeth têm dois filhos, dois cachorros e um gato. Trabalham juntos no escritório que fica nos fundos da casa. Se divertem e passeiam juntos o tempo todo.
Sábado, 11h40, e o Steve, além de muito ocupado, é um pai extremamente dedicado. Ele sai para cumprir uma missão importantíssima, um compromisso inadiável.
Quem veste a camisa 12 é Charlotte, a caçula da família. Toda vez que tem jogo, o pai coruja fica impaciente. E, diante da filha, fez uma reflexão: "Nunca poderia imaginar que um dia eu ia casar e ter filhos. É um sentimento muito forte".
"Você deve estar orgulhoso", eu interfiro. E, ainda com os olhos marejados, ele diz: "Sim, acho que sim".
No sexto e último dia da escalada, o alpinista deu mais uma prova da persistência que o acompanhou ao longo de seus 42 anos: pegou pesado por quase dez horas até finalmente conquistar a maravilhosa montanha.
Quando já estava lá em cima, recebeu uma forcinha dos amigos. Também, quem aguenta com esse equipamento? E enfim admirou a natureza de um lugar onde poucas pessoas tiveram o privilégio de estar.
Chorar era quase uma certeza pra alguém que se entrega tão intensamente às emoções dessa vida.
Mas se a essa altura da vida Steve já era um homem casado, pai de dois filhos, engenheiro formado, bem sucedido, para que então se arriscar numa aventura tão perigosa, quanto a escalada de uma montanha? Ele tem pelo menos 250 respostas para essa pergunta.
São as 250 crianças com deficiência física, que todos os anos fazem aventuras no acampamento Hawkey Lake. Foi por causa delas que, em vez de desistir, Steve botou ainda mais força na subida.
Com a ajuda dos patrocinadores, depois da conquista da montanha, ele conseguiu arrecadar dinheiro para mais alguns anos de trabalho no acampamento. E acabou conquistando algo que jamais planejou.
"O efeito que eu não esperava foi a reação das pessoas. Muitos pais que agora olham pros seus filhos maneira diferente, sabendo que eles podem fazer mais do que imaginaram. Agora elas podem dizer: 'Esse cara anda numa cadeira de rodas e consegue tudo isso, então não há motivo pra você não ir a uma universidade, se casar e ter filhos, trabalhar, comprar uma casa. Acho que isso abre caminho pra muita gente".
Sem dúvida, Steve, foi um feito impressionante.
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