É um dos desafios mais formidáveis da medicina: reverter a paralisia. Um cientista passou a vida trabalhando para realizar um sonho: regenerar lesões na coluna vertebral.
“Este é o momento em que a paralisia pode ser revertida”, revela o professor Geoffrey Raisman.
Darek Fidyka é o primeiro paciente do mundo a receber um tratamento pioneiro.
“Quando começa a dar certo, é como se a vida recomeçasse, como nascer de novo”, diz Darek.
“É incrível ver como algo se imaginava impossível, a regeneração da coluna vertebral, está se tornando realidade”, comemora o neurocirurgião Pawel Tabakow.
Darek passou a viver em uma cadeira de rodas, depois de levar uma facada que atravessou a medula espinal. Até que ele passou por uma cirurgia revolucionária.
“Você está fazendo história! Para mim, é mais impressionante do que o homem andar na lua!”, diz Geoffrey Raisman.
Nunca mais voltaria a andar
Darek vive no interior da Polônia. Disseram que ele nunca mais voltaria a andar, depois que sofreu um ataque brutal.
“Aí ele veio na minha direção. Não sabia que ele tinha uma faca e ele me golpeou várias vezes. Eu caí, ele veio pra cima e me atingiu várias vezes. Fiquei consciente o tempo todo”, lembra Darek Fidyka, paciente que passou pela cirurgia.
O agressor era o ex-marido da mulher de Darek.
“Sempre evitei pensar que poderia ficar paralisado pra sempre. Sabia que seria difícil e demorado, mas eu ia lutar muito”, conta Darek.
Darek não queria desistir, mas o sonho de curar a paralisia continuava distante. No Brasil, o doutor Alexandre Fogaça é chefe do grupo de coluna da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
O Fantástico mostrou a ele trechos do documentário.
Fantástico: Você é um jovem cirurgião, de 40 anos. Você acredita que ainda no seu tempo de vida vai ver a cura desse tipo de lesão? Vai ser possível regenerar a medula?
Alexandre Fogaça: Nós temos uma esperança muito grande. Hoje nós temos vários centros trabalhando em várias perspectivas de cura. Mas o que a gente mais tem esperança são as células-tronco, os fatores de regeneração, engenharia genética.
Descoberta do cientista britânico
Esse grande objetivo da ciência é o trabalho da vida de Geoffrey Raisman, um cientista britânico de renome mundial, especialista em analisar as células do sistema nervoso, os neurônios, usando microscópios superpotentes.
“Eles aumentam a imagem milhões de vezes. Conseguimos enxergar coisas que eram impossíveis”, conta o professor Geoffrey Raisman, especialista em regeneração da espinha da University College - Londres.
O pesquisador descobriu que o cérebro, quando sofre uma lesão, cria novas conexões entre os neurônios. E se a mesma coisa pudesse ser feita em uma medula lesionada? Foi isso que ele passou a estudar.
“A espinha é como uma estrada. Os carros que vão do norte para o sul levam os comandos do cérebro para o corpo. E os carros que vão do sul para o norte carregam as sensações até o cérebro. Se acontece um ferimento grave, é como se uma ponte se rompesse na estrada. É preciso consertar a rodovia. Então precisamos procurar alguma parte do sistema nervoso que passe o tempo todo se consertando sozinha”, explica o professor Raisman.
A resposta estava fora da coluna, em uma região que controla um de nossos principais sentidos.
“O sistema do olfato é a única parte do sistema nervoso que está em renovação constante”, conta o professor Raisman ao repórter da BBC.
Essas estruturas se chamam bulbos olfativos.
“Virando o cérebro, a gente vê os bulbos olfativos, marcados em verde. Ficam na base do cérebro. As fibras nervosas que levam as informações sobre os cheiros do nariz até os bulbos estão sempre se renovando. Então a gente pensou: e se nós transplantássemos esse tipo de célula do nariz pra dentro de uma espinha lesionada? Será que criariam novos caminhos na estrada interrompida?”, conta o professor Raisman.
Transplante de células treinado com animais
Um transplante de células do próprio paciente, portanto, sem risco de rejeição. A equipe do professor Raisman passou décadas treinando essa cirurgia com animais. “Para saber se funciona, tem que testar primeiro com ratos”, diz o professor.
Nos bichos, deu certo. Antes do transplante, o rato com lesão na medula subia uma cerca com dificuldade. Depois da operação, ficou muito mais ágil.
“Aí eu vi que podia funcionar. Isso mudou minha vida”, comemora o professor Raisman.
A equipe da BBC acompanhou toda a pesquisa ao longo de um ano: uma colaboração entre o professor Raisman, em Londres, e um jovem neurocirurgião na Polônia: Pawel Tabakow.
A equipe da BBC acompanhou toda a pesquisa ao longo de um ano: uma colaboração entre o professor Raisman, em Londres, e um jovem neurocirurgião na Polônia: Pawel Tabakow.
Depois de alguns testes, o doutor Tabakow encontrou o paciente ideal para o grande momento: Darek Fidyka, paralisado depois de sofrer um ataque a facadas, em julho de 2010.
O doutor Tabakow percebeu que Darek era o paciente perfeito, porque tinha uma lesão bem definida. “Colocamos o Darek, que estava paralisado fazia mais de um ano, em um programa superintenso de reabilitação”, conta o doutor Tabakow.
“Era pra ter certeza de que o caso dele não tinha mesmo cura, que, se ele melhorasse, seria mesmo por causa da operação e não por uma recuperação espontânea”, diz o professor Raisman.
“Em seis meses, ele não melhorou. Aí falei com ele sobre um possível transplante das células do bulbo olfativo”, diz Tabakow.
Resultados das cirurgias
Na primeira cirurgia, foi retirado um dos bulbos olfativos da base do cérebro do Darek.
“Aí deixamos essas células duas semanas em cultura. Deu certo! Elas cresceram, se multiplicaram”, celebra o professor Raisman.
Em abril de 2012, na hora da segunda operação, as células olfativas foram injetadas no ferimento na medula de Darek.
“Se desse certo, seríamos os pioneiros. Se desse errado, seríamos uns trapalhões”, diz Tabakow.
A lesão era bem maior do que aparecia nas imagens da ressonância.
“Tinha uma fenda de mais de um centímetro”, explica o professor.
“Fomos injetando as células do olfato em vários pontos da medula”, diz Tabakow.
Foram cerca de 100 micro-injeções. Cirurgia terminada. Só restava esperar. Darek passou a trabalhar ainda mais duro.
Depois de três meses, começaram a aparecer melhoras.
“Comecei a ganhar músculos e a sentir frio, calor, formigamento. Antes da cirurgia, eu não conseguia pedalar. Depois, já comecei a ter algum movimento”, conta Darek.
Retorno das sensações e da força muscular
Algo extraordinário estava acontecendo. Com o retorno das sensações e da força muscular, Darek passou a dirigir um carro, adaptado, claro. Antes, ele não conseguia. As sensações também voltaram à bexiga, ao intestino e a outras partes do corpo.
“A função sexual melhorou muito. Cada dia melhor”, comemora Darek.
Em dezembro do ano passado o professor Raisman voltou a Polônia para acompanhar o progresso de Darek, junto com o repórter da BBC.
“Antes da operação, o Darek não conseguia tocar o colchão com as pernas. Agora dá, e com uma carga bem pesada”, mostra o doutor Tabakow.
Os músculos se desenvolveram mais na perna esquerda.
“A maioria das células foram transplantadas do lado esquerdo da medula. E é justamente na perna esquerda que os músculos se desenvolvem primeiro e estão aumentando”, diz o professor Raisman.
Ou seja: o caminho que vai do cérebro até as pernas, passando pela espinha, está se regenerando. E também o das sensações, que faz o trajeto inverso, das pernas para o cérebro.
“Ele percebe que eu estou empurrando o pé dele, só não consegue saber se são só dois ou todos os dedos”, mostra o doutor Tabakow.
“Ele sente mais o pé direito porque, no caso das sensações, as fibras nervosas são cruzadas. Como o reparo foi maior do lado esquerdo da medula, as sensações são mais fortes na perna direita. Ele ainda vai melhorar muito. Pode dizer a ele”, explica o professor Raisman.
Acontecendo o impossível
Vinte meses depois da cirurgia, o Darek ainda está no começo do caminho para a recuperação.
“Não sabemos aonde o tratamento vai chegar. Mas estabelecemos um princípio: que fibras nervosas podem ser restauradas e trazer funções de volta, desde que a gente dê condições para elas”, determina Raisman.
“É impressionante: uma coisa tida como impossível está acontecendo”, diz Tabakow.
Os detalhes do tratamento foram publicados em uma revista científica. Até o momento, Darek é o único paciente testado. Em meados de 2014, equipe da BBC e o professor Raisman voltaram à Polônia para encontrar o Darek.
“Pela primeira vez, ele está conseguindo fazer movimentos coordenados e contínuos com as pernas sem precisar de longos intervalos de descanso”, diz Tabakow.
Depois de todos os testes, de todos os exercícios no centro de reabilitação, chega um momento de definição para o Darek. A hora da verdade. Dele sair de um ambiente controlado, ir para rua, para um parque para tentar andar sozinho. Será que ele vai conseguir?
Uma grande jornada. Um homem paralisado redescobre a liberdade de movimentos.
“Isso me motiva a fazer novas cirurgias, com mais pacientes. O caminho está aberto”, comemora Tabakow.
“É uma sensação incrível, difícil de descrever, porque tem horas que a gente acha que nunca vai melhorar, mas... Quero dizer pra quem está assistindo para nunca desistir, para lutar, porque alguma porta vai se abrir”, afirma Darek.
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