segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Projeto quer que paraplégico dê pontapé inicial da Copa 2014

Miguel Nicolelis estuda para fazer máquinas funcionarem com a força do pensamento.

















O governo americano investe por ano 430 milhões de dólares na Duke, uma das principais universidades de medicina do mundo.

Estudos de ponta, publicados em algumas das revistas científicas mais importantes do planeta.
Um grupo internacional, de 50 especialistas, na linha de frente da ciência!

Conduzindo pesquisas que podem beneficiar pessoas aqui no Brasil, como Emerson, de apenas 12 anos. E Sidney, de 36 anos.

Emerson foi atingido por uma bala perdida há dois anos, quando empinava pipa em Guarulhos, São Paulo.

Emerson conta como foram os últimos dois anos. "Ficar no hospital, sem fazer nada. Só, sem brincar", diz a criança.  Sidney ficou soterrado por seis horas no terremoto de Kobe, no Japão, em 1995. Os médicos deixaram claro a gravidade da minha lesão.

"Devido ao terremoto, a casa literalmente caiu na minha cabeça", lembra Sidney Almeyda, analista de sistemas.

Mas o que a pesquisa feita nos Estados Unidos tem a ver com esses brasileiros que não podem mais andar?

É que o chefe desses cientistas da universidade Duke é do Brasil: o paulistano e palmeirense fanático Miguel Nicolelis.

Formado em medicina pela Universidade de São Paulo em 1984, ele vive no exterior há mais de 20 anos. Completa 51 de idade na semana que vem. E trabalha numa área que mais parece ficção científica: fazer máquinas funcionarem com a força do pensamento.
Um braço robótico, uma perna robótica, um braço virtual que realiza um determinado comportamento sob o comando da atividade do cérebro.

As aplicações práticas são muitas, porém ainda distantes. Mas Nicolelis tem pelo menos um projeto mais urgente, ambicioso e polêmico, que tem a ver com o Sidney e o Emerson: fazer um brasileiro, paraplégico, ou tetraplégico, de preferência uma criança, dar o pontapé inicial da Copa do Mundo, em São Paulo, no dia 12 de junho de 2014. Daqui a dois anos e três meses.

"Acho que vai dar sim, acho que nós temos uma boa chance de conseguir realizar essa demonstração", afirma.

O projeto tem nome em inglês: "Walk Again": andar de novo. Claro, tudo o que desejam o Emerson e o Sidney. Eles têm histórias diferentes, mas sonhos parecidos.

Quando você sonha, você está na cadeira ou está andando? "Andando', conta o menino Emerson.

"Por incrível que pareça eu sempre sonho que eu estou andando, afirma Sidney",

O cérebro produz os sonhos, e também é ele que pode devolver os movimentos pra quem não consegue andar. Tudo vem do cérebro.

"Felicidade, tristeza, nossas memórias, nossas lembranças, os nossos planos futuros", explica o cientista.

E os movimentos também. Quando nos movemos é porque, frações de segundo antes, o cérebro deu a ordem. Mais precisamente meio segundo.

O cérebro é formado por células chamadas neurônios. A quantidade nos seres humanos é muito, muito grande.

"Existem tantos neurônios no cérebro como existem galáxias no universo", afirma Nicolelis,

São cerca centenas de bilhões de neurônios, que se comunicam o tempo todo uns com os outros, por sinais de eletricidade.

No laboratório do professor Nicolelis, um equipamento especial consegue captar o som dessa tempestade elétrica dentro da cabeça. No caso, de um macaco.

Só que, nas pessoas paralisadas, a sinfonia de comandos não chega ao restante do corpo. O caminho está bloqueado, por uma doença ou por uma lesão.

Como nos casos do Emerson e do Sidney.

"Os médicos deixaram claro a gravidade da minha lesão", conta Sidney.

A ideia, o pulo do gato do cientista brasileiro, é criar um atalho. Captar os comandos diretamente no cérebro, e transmitir para uma espécie de roupa de robô. O nome dessa veste é exoesqueleto - um esqueleto do lado de fora do corpo.

"O cérebro do paciente vai comandar os movimentos do exoesqueleto do paciente, da mesma maneira que comandava os movimentos do corpo antigamente".

Pra buscar os sinais elétricos lá no cérebro, a equipe de Nicolelis usa dezenas de sensores. São os chamados eletrodos, que entram só um pouco no cérebro - de três a cinco milímetros.

Esses fiozinhos finos como um fio de cabelo são o que a gente chama de eletrodos.

A próxima etapa é reunir tudo o que foi captado mandar para um chip, parecido com o de um telefone celular, implantado no crânio.

"Não é que esse chip você vai na loja de computador e compra, não compra, é. Foi tudo construído por alunos, pesquisadores", explica Nicolelis.

A energia vem de baterias, instaladas sob a pele e também numa espécie de mochila.

Depois entram em ação mais chips, também embutidos, com um papel crucial: transformar os sinais do cérebro em ordens para o chamado exoesqueleto.

Agora, os comandos são transmitidos, sem fio, pra antenas presas à cintura do paciente.

"Só que, diferentemente do corpo biológico, o que vai se mexer vai ser o exoesqueleto".

Tudo perfeito - só que nunca se construiu um exoesqueleto completo. Mas já existe um avanço muito importante, que anima os pesquisadores.

O Fantástico mostra como funciona o exoesqueleto, equipamento essencial para o projeto Wlak Again. Ninguém fora do laboratório do professor Nicolelis conhece esse equipamento.

Pra entender direito, nada melhor que uma demonstração. E o professor Nicolelis se entusiasma: manda buscar uma bandeira do Brasil. E claro, uma do Palmeiras.

O computador faz o papel do cérebro. Manda o protótipo dar o chute. E ele chuta. Diversas vezes!

"É o resultado de 25 anos de trabalho, nós sonhamos com isso, o nosso laboratório inteiro aqui, desde que a gente começou a trabalhar, conclui".

Pra chegar a esse ponto, a equipe se especializou em ler os pensamentos de animais - ratos e macacos.

Acompanhamos uma experiência. A macaquinha, a Kiwi, de seis anos, anda em uma esteira, como essas de academia. Infelizmente a gente não pode mostrar a kiwi, porque é uma regra da universidade que não se mostrem animais usados em pesquisa. Mas eu já dei uma olhada, e dá pra garantir que ela se diverte.

"Em um monitor a gente vê a atividade elétrica de uma centena de células do cérebro da Kiwi", explica Nicolelis.

Essa é a linha mestra da pesquisa: entender o que acontece dentro do cérebro quando o animal se mexe. E, a partir daí, usar esses sinais pra movimentar uma máquina só com a força do pensamento.

No laboratório, funcionou. Como nesta experiência, que trouxe fama internacional ao grupo de Nicolelis. Uma macaca foi treinada para jogar videogame, usando um joystick.

"Ele é recompensado com uma gota de suco quando ele consegue fazer a coisa correta", conta o cientista.

Aos poucos, os cientistas vão retirando o joystick. E o bicho percebe que consegue mover as coisas na tela sem o controle -- só com o pensamento.

As ordens do cérebro da macaquinha iam direto para um braço mecânico, que aparece no canto direito da imagem. Ela pensa, e o braço se mexe.

E um detalhe: as macacas são sempre fêmeas. "Como sempre, as mulheres são melhores. Mais atentas, mais confiáveis", analisa. As experiências vão ficando cada vez mais sofisticadas: Uma outra macaca usa as duas mãos para cumprir uma tarefa.

"Isso é vital evidentemente porque o exoesqueleto que nós estamos desenhando, construindo, tem dois braços, duas mãos, e eles precisam ser coordenados".

São desafios supercomplicados: instalar os eletrodos no lugar certo do cérebro. Na quantidade certa. E decifrar esses sinais elétricos, para que eles virem comandos de movimentos.

Uma mistura complexa de biologia, engenharia e computação!

E uma esperança para Sidney, que trabalha com informática e acredita no potencial da tecnologia.

"Me interessou muito. Caso surja alguma solução, A gente está preparado pra voltar a andar", afirma Sidney.

Mas o cientista avisa: o projeto não estará pronto na abertura da copa. A demonstração é apenas a primeira etapa de estudos que continuarão por anos.

A pesquisa ainda não chegou aos testes com seres humanos. Nicolelis ainda busca um hospital no Brasil para essa parceria. E também espera mais apoio.

"Nós precisamos ter uma decisão definitiva, clara, de que o governo brasileiro está disposto a ser parceiro e que vai nos ajudar a criar a infraestrutura necessária pra que isso ocorra".

Um detalhe importante: parte da pesquisa está sendo feita no Brasil, no Instituto de Neurociências que Nicolelis dirige em Natal desde 2005. Toda tecnologia que nós vimos aqui, os microchips, os eletrodos, já existem no Brasil - já foram transferidos para o Brasil.

Em 2011, o pesquisador enfrentou um sério problema político: 10 pesquisadores do instituto romperam com ele, e agora trabalham exclusivamente na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Mas ele explica que isso não vai atrasar o prazo. "Esse grupo não tinha nenhum envolvimento com o projeto Walk Again. Nós já temos novos pesquisadores contratados lá em Natal", explica.

Diante dessa confiança que parece inabalável, uma pergunta final para um dos únicos, senão o único, brasileiro com alguma chance de ganhar um Prêmio Nobel de Medicina. Se um gênio da lâmpada desse a ele uma única escolha: ou fazer um brasileiro com deficiência andar na abertura da Copa ou ganhar o prêmio Nobel, o que ele escolheria?

"Essa escolha é muito fácil, porque se realmente nós conseguirmos fazer alguém andar, não tem prêmio algum que se compare com isso. O primeiro chute da Copa do Mundo no Brasil vai ser um gol da ciência brasileira e um presente do Brasil para todo o mundo.

A torcida é grande. O repórter pergunta ao menino Emerson o que ele diria se pudesse falar alguma coisa para o cientista que está tentando fazer as crianças voltar a andar: "Obrigado", diz.


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