Estudar em qualquer lugar, não apenas nas salas de aula, monitorar como absorvemos o conhecimento e permitir que o ensino seja cada vez mais customizado. Como a análise de dados, a computação por nuvem e a robótica estão mudando a forma como aprendemos
21/03/2014 - 14H03/ atualizado 16H0404 / por Tiago Cordeiro | Ilustrações: Samuel RodriguesA Minddrive se propõe a oferecer atividades extracurriculares de reforço, que incentivem a criatividade dos garotos e os preparem para a vida no mercado de trabalho. “Os alunos começaram desenvolvendo protótipos menores, até que perceberam que o projeto era viável e podia funcionar nas estradas”, diz o CEO da instituição, Steve Rees. Ao permitir que os alunos escolhessem qual projeto queriam levar adiante, os professores tiveram que adaptar as aulas para passar ao grupo os conhecimentos necessários para fazer o automóvel sair do papel. “Para colocar o carro funcionando naprática, foi preciso aprender ou revisar conceitos de aerodinâmica, mecânica e cálculo”, afirma Rees.
Graças, principalmente, a iniciativas como essa, o ensino tal qual conhecemos — pré-programado desde o jardim de infância — está passando por mudanças. Tudo para permitir que o aluno, antes apenas um espectador, participe mais ativamente da forma como absorve conhecimento. “A tecnologia aumentou não só a quantidade de informações disponíveis, mas transformou as opções para onde e quando aprender. A educação ficou mais acessível, para todos os perfis”, explica Rees. Duas décadas atrás, segundo ele, o ensino só funcionava para o modelo de aluno que aprende com facilidade quando ouve o professor e lê os livros didáticos. Hoje existem dezenas de outras combinações de técnicas e tecnologias acessíveis, seja usando um tablet para pesquisar dados de um artista visto num museu, seja assistindo a vídeos no conforto de casa.
A análise de dados em tempo real vai permitir que os educadores (e também os pais) acompanhem com muito mais precisão o processo de aprendizagem de seus alunos, que tende a ser cada vez mais personalizado. Quando as atividades são realizadas em telas conectadas à rede, por exemplo, o professor pode avaliar não só quais questões cada aluno não conseguiu resolver, mas também aquelas que tomaram mais tempo, os sinais de dificuldade, quais assuntos ou temas ele tem melhor domínio. A comunicação por nuvem vai contribuir para um sistema de ensino que não acaba na sala de aula ou na lição de casa: celulares, tablets e paredes holográficas vão possibilitar interações de alunos e professores em qualquer hora, em qualquer lugar. O aluno terá a chance de estudar de acordo com a sua própria necessidade. E também irá aprender o tempo todo.
O advento da inteligência artificial também vai garantir uma forma de conhecimento que nunca experimentamos, expandindo os limites do aprendizado a ponto de crianças lidarem com máquinas inteligentes desde a infância e terem aulas inclusive para aprender a conviver com robôs. O futuro da educação já começou. Seja nos Estados Unidos, no Brasil ou na Índia, como você vai ver nos diversos exemplos reunidos nestas páginas, as escolas já estão incorporando as novas tecnologias e mudando suas práticas de ensino para preparar novos cidadãos capazes de competir no mundo no século 21. E novos alunos dispostos a aprender da maneira que quiserem —ou necessitarem.
MUDANDO OS PADRÕES
Grupos pequenos, formados até mesmo por estudantes de séries diferentes, se organizam para cumprir tarefas criativas, com deadline e padrões de qualidade. Não fará mais sentido separar os alunos por séries de acordo com a idade. É assim nas escolas Hightechhigh, em San Diego, na Califórnia, onde não existem livros didáticos, o professor é visto como um designer de conhecimento e os alunos se organizam por afinidade, e não por idade, para solucionar desafios retirados do dia a dia. Desde programar softwares simples a calcular os custos de construir uma casa sustentável, os jovens indicam três colegas com quem gostariam de trabalhar, e três com os quais teriam dificuldades. Um tutor sugere a formação do grupo, que combine pessoas que têm afinidades com aquelas que não se dão bem, como acontece na vida profissional.
O Colégio Estadual José Leite Lopes, no Rio de Janeiro, sedia um projeto-piloto chamado Núcleo Avançado em Educação (Nave) no qual 435 estudantes de ensino médio são agrupados em times de quatro a seis jovens, que desenvolvem projetos sob orientação de um educador. As aulas expositivas também existem. Quando percebem que um conceito de química, por exemplo, não está sendo compreendido por conta de uma noção complicada que vem da matemática, os dois professores atuam juntos. Está dando certo. Em seis anos de projeto, em cinco deles o colégio foi o primeiro mais bem colocado no ranking das escolas estaduais cariocas no Enem.
DE NOVATO A EXPERT
Os jogos funcionam porque não são nada mais do que desafios acumulados em série, com graus crescentes de dificuldade. Nada tão diferente de aprender física na escola, afinal. Ao jogar, os estudantes são induzidos a pensar em estratégias, aprender com os erros e encarar desafios cada vez maiores. “Eles são mais úteis para resolver alguns tipos de problemas de absorção de conhecimento”, afirma Gee. Há diversos games e aplicativos já criados para esse fim: o Foldit, por exemplo, ajuda no aprendizado de química, mais especificamente na formação de proteínas — o aluno precisa fazer os encaixes corretos, segundo as leis da química, para passar de fase. Já o FantasyGeopolitics, criado por um professor de Minnesota, usa como base o jogo Fantasy Football para ensinar a história dos principais países do mundo. Assim como no jogo oficial, os alunos elaboram fichas dos países e fazem comparações entre eles, como se todas as nações participassem de um campeonato. Mais do que induzir os alunos a uma nova forma de buscar conhecimento, com os exercícios acontecendo em grande parte no ambiente virtual, vai ser possível saber quanto tempo cada estudante demorou para responder a cada questão, ou apreender cada conteúdo (leia mais no quadro da página 36). “As tecnologias oferecem condições concretas para que o professor deixe de ser o centro do processo, para que o ensino efetivamente tome esse papel”, diz a professora Alda Luiza Carlini.
APRENDIZADO FULL TIME
Algumas instituições, como a Escola Municipal de Educação Fundamental M'Boi Mirim 3, recorrem a uma ferramenta online gratuita, disponibilizada pela Academia Khan — criada em 2011 pelo cientista da computação e matemático americano Salman Khan, que ficou conhecido mundialmente por videoaulas de reforço postadas no YouTube. “Queremos ampliar o acesso aos recursos interativos da plataforma”, afirma Jessica Yuen, secretária geral da Academia Khan, que em 2013 recebeu 600 mil visitantes únicos no Brasil mesmo sem ainda ter uma versão em português — que foi oficialmente inaugurada em janeiro deste ano. Acessível para alunos de todas as idades e mesmo professores ou profissionais que precisam revisar conceitos, a ferramenta online apresenta mais de 100 mil problemas de álgebra, aritmética e cálculo, além de outras disciplinas. O próprio site sugere exercícios cada vez mais complexos, na medida em que o aluno avança. As conquistas são registradas em um painel de controle, como acontece nos videogames.
Quando a educação acontece dessa forma, o jovem chega mais preparado para a vida. A partir da idade adulta, as duas coisas vão caminhar juntas: o profissional nunca vai deixar de estudar, em cursos e módulos específicos para demandas pontuais. Não será necessário concluir várias faculdades, mas fazer ao menos uma, e complementar com cursos pelo resto da vida. O cruzamento de atividades presenciais e estudos online vai se tornar tão grande que será difícil separar o ensino tradicional do estudo à distância — a Faculdade Anhanguera, por exemplo, criou um aplicativo para tablets e smartphones no qual seus alunos podem acessar o Centro de Educação à Distância, com videoaulas, exercícios e calendário de provas.
O ensino poderá ser ondemand, de acordo com o ritmo, as dificuldades e os interesses de cada aluno. Como já começa a acontecer no mundo todo, a educação tende a sair das salas de aula para ganhar multiplataformas. “No futuro, vamos ter uma série de opções para aprender, em diferentes meios e linguagens, de acordo com as características pessoais de cada aluno”, diz Sara Skvirsky, gerente de pesquisa do Institute for the Future, centro americano especializado em previsões a longo prazo. “Aprender vai voltar a ser o que já foi um dia para os seres humanos”, afirma o professor James Gee. “Um processo natural e totalmente integrado à nossa vida”.
HORÁRIOS LIVRES
NA PRÁTICA: A Escola da Ponte, em Portugal, não dá nome a disciplinas de conhecimento nem estabelece horário para começar ou terminar cada atividade. A iniciativa inspirou o Projeto Âncora, em São Paulo.
GAMES PARA PASSAR DE ANO
NA PRÁTICA: Na escola norte-americana Minddrive, os alunos criaram uma escola sustentável usando o ambiente do jogo Minecraft como base. Na Escola Municipal André Urani, no Rio de Janeiro, quem acerta a resposta passa de fase e recebe problemas mais complexos.
PAIS PARTICIPANTES
NA PRÁTICA: Na Escola Municipal Desembargador Amorim Lima e no CIEJA Campo Limpo, ambas na cidade de São Paulo, os pais são considerados cogestores da escola.
CURSOS DE MÍDIAS DIGITAIS
NA PRÁTICA:No Colégio Estadual José Leite Lopes, os alunos fazem cursos técnicos em Programação de Jogos Digitais, Multimídia e Roteiro para Mídias Digitais.
METODOLOGIA HYPERLINK
NA PRÁTICA: A estratégia de ensino faz parte da metodologia do projeto Riverside, na Índia, e também na escola Politeia, em São Paulo.
CURRÍCULO MUTANTE
NA PRÁTICA: No The InternationalYouthInitiativeProgram, da Suécia, o currículo muda ano a ano e as atividades podem incluir escrever a própria autobiografia ou transformar a estrutura da Organização Mundial do Comércio em um infográfico.
TRABALHO EM GRUPO
NA PRÁTICA: Nas escolas suecas do projeto Vittra, os estudantes usam notebooks de última geração e constroem avatares para si mesmos. E é com estes avatares que eles se reúnem em grupos virtuais, de composição variável.
TENDÊNCIAS
NA NUVEM
Celulares, tablets e outros dispositivos vão permitir o ensino em qualquer lugar
Celulares, tablets e outros dispositivos vão permitir o ensino em qualquer lugar
BIG DATA
Dados vão permitir acompanhar o desempenho dos alunos em tempo real
Dados vão permitir acompanhar o desempenho dos alunos em tempo real
Quando o aprendizado se dá online e a avaliação acontece em etapas em uma plataforma digital, o professor sabe exatamente quanto tempo o aluno demorou para aprender cada conteúdo. Isso gera uma enxurrada de dados sobre o aprendizado que, devidamente processados, vão permitir aos tutores personalizar o ensino em um nível nunca antes alcançado. “O professor vai ser capaz de identificar precisamente os pontos de dúvida. E também selecionar aqueles itens em que o estudante se saiu tão bem que ele pode ser capaz de ensiná-lo a um colega”, afirma o arquiteto Steve Rees, CEO da Minddrive. Além disso, em diversas áreas, como a astronomia, por exemplo, o conteúdo dos livros didáticos tradicionais envelhece rápido demais. Será possível atualizar just in time o conteúdo de livros e computadores.
ROBÓTICA
A inteligência artificial ajuda a entender conceitos de física e matemática
A inteligência artificial ajuda a entender conceitos de física e matemática
Os robôs logo devem estar disseminados em todos os ambientes, inclusive os escolares. O convívio com essas máquinas poderá aprimorar o ensino e será bastante benéfico para os alunos. “Enquanto os supercomputadores percorrem bilhões de parâmetros possíveis, os humanos usam sua habilidade nata de reconhecimento de padrões. São características complementares”, afirma o professor James Paul Gee. Com a inteligência artificial disseminada, passa a ser necessário memorizar fatos ou números — é preciso apenas saber onde encontrá-los. Nas máquinas e no ambiente virtual vai estar a memória coletiva, que todos poderão acessar. “Se o Google já muda a forma de organizar o acervo de dados da humanidade, imagine quando um robô estiver preparado para ensinar conceitos básicos de física e matemática”, diz.
ENTREVISTA
“O SABER TRADICIONAL FICOU RIDÍCULO”
“O SABER TRADICIONAL FICOU RIDÍCULO”
* O currículo das escolas está defasado?
O conhecimento que toda pessoa deve saber, desde as obras dos grandes filósofos até noções básicas de física e história, tudo isso está colocado em xeque. A informação está envelhecendo tão rapidamente, e a capacidade de armazenar dados está aumentando tão rápido, que o saber tradicional ficou um tanto ridículo.
* O que as escolas devem ensinar?
O aluno não pode mais ser visto como um silo onde o professor estoca informações para uso eventual no futuro. Mais importante do que memorizar dados é a habilidade de identificar problemas e saber onde encontrar a informação necessária para solucioná-lo — diferentemente do que os jovens pensam, a resposta não está na primeira página de busca do Google. Depois de encontrar as evidências, é preciso avaliá-las, para filtrar as bobagens e as referências defasadas. Por fim, é preciso saber relatar com clareza, de forma escrita, oral ou mesmo por vídeo, as conclusões a que se chegou.
* As salas de aula vão acabar?
Não. Teremos diferentes modelos de educação, que vão respeitar o perfil do aluno, o seu metabolismo. Teremos escolas presenciais, escolas virtuais, escolas com horários alternativos, para os estudantes que rendem mais estudando de madrugada, por exemplo. A educação vai caminhar para ser personalizada e mais de acordo com as individualidades tão próprias da condição humana.
http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/03/desconstrucao-da-escola.html
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