Carta foi escrita por David Oliveira da Silva após pedido de professor.
Adolescente tem 14 anos e sofre com doença que deforma as córneas.
Com a ajuda dos óculos "fundo de garrafa" e munido do esmero de quem sonha em um dia ser desenhista famoso, o adolescente David Oliveira da Silva não precisou de muito tempo depois que o professor propôs que toda a turma escrevesse uma carta ao Papai Noel. O desejo do garoto de 14 anos logo preencheu a página: uma cirurgia, para voltar a enxergar com nitidez. Silva tem uma doença que provoca a deformação das córneas e precisa colar o rosto nos objetos para conseguir vê-los. O pedido emocionou a equipe médica do Hospital Oftalmológico de Brasília, que decidiu doar o tratamento ao jovem.
Atualmente, o rapaz tem 11 graus de miopia no olho direito e 15 no esquerdo. "Estou feliz. Acho que vai mudar tudo, na escola, para pegar ônibus, vou reconhecer as pessoas. Eu costumo confundir as pessoas. Uma vez eu vi um sapato no chão e achei que era cobra. Na escola ficam 'mangando' de mim", disse. "Isso me deixa triste. Acabo chorando."
As dificuldades foram identificadas quando ele ainda era bebê e frequentava a creche. Segundo a mãe, Francinete Oliveira dos Santos, os professores logo perceberam a dificuldade e a avisaram. A mulher, que está desempregada e vende balinhas para sustentar a si e a três dos quatro filhos – a mais velha é casada – lembra que a situação preocupa a família desde então.
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"Quando ele tinha 6 anos, ele começou a usar óculos. Eu sempre voltava ao médico, que dizia que era normal, que bastava usar que tudo ficaria bem. Só que daí por diante não teve volta. Foi só aumentando e aumentando. Eu não entendia, pensava que ele [oftalmologista] deveria saber, já que eu não tinha conhecimentos desse tipo, né?", declarou a mulher.
Mas, cansada de ver o terceiro filho comentar que a cada dia via menos, a mulher decidiu em 2012 que o levaria para fazer um exame "bem mais avançado" em outro lugar. Ela juntou R$ 120 para pagar a consulta e o levou a um médico particular. Foi então que a família descobriu que o menino sofria de ceratocone e que, sem receber tratamento adequado, poderia perder a visão.
O oftalmologista Guilherme Rocha se comoveu tanto com a situação da família que doou os testes, orçados em mais de R$ 900, e todo o tratamento. De posse do laudo, a moradora do Recanto das Emas afirma que começou uma peregrinação por hospitais da rede pública na tentativa de fazer cirurgia, sem sucesso.
"Esse ano me chamaram. Até falei para ele que havia chegado o dia de sorte. Fomos para a Carreta da Visão, em Ceilândia. Saímos às 5h de casa e ficamos o dia inteiro lá. Só no fim o médico disse que não era lá, que era só catarata. Podiam ter avisado, porque eu só tinha o dinheiro mesmo da passagem, e a gente passou fome o dia todo", lembra.
Por causa das dificuldades, o garoto reprovou algumas vezes e ainda cursa o 6º ano, no Centro de Ensino Fundamental 308, e depende da mãe para tudo. A esperança dos dois se renovou com o final de 2014, quando o professor de história, Jorge dos Santos, pediu à turma que pensasse naquilo que sonhava alcançar e pedisse de Natal. David já chegou em casa dizendo à mãe que não podia ser brinquedo e que pediu a cirurgia.
"Eu falei: 'bota, meu filho, que Deus vai ouvir sua oração'. Esse professor dele é muito bom, já quis até arranjar dinheiro da passagem para eu ir a São Paulo com o meu filho", conta Francinete. "Acabou que foi a ideia dele que veio a fazer funcionar."
A cartinha foi lida pelos outros servidores da instituição e chegou ao conhecimento de uma jornalista próxima a funcionários do hospital, que funciona na Asa Sul. De acordo com o departamento de marketing da unidade de saúde, a equipe se emocionou e abraçou a causa "de cara".
O adolescente passou por exames, que apontaram que ele ainda não tem necessidade de transplante. David vai ganhar lentes de contato que corrigem quase 100% a distorção provocada pela doença e receberá acompanhamento ininterruptamente, de graça.
Ansioso para começar a usar os novos itens, que devem ser entregues antes do Natal, o garoto já faz planos para o futuro. "Agora vou poder trabalhar, fazer meu curso de desenho, ajudar em casa. Sempre fui bom, mas é difícil quando você vê tudo embaçado", afirmou David.
O professor de história conta estar satisfeito com o resultado da ação. Dos quase mil alunos da escola, 600 escreveram a carta. A ideia era que os servidores da instituição adotassem parte delas e encontrassem outras pessoas interessadas em ajudar.
Santos diz que o pedido de David emocionou a todos. "Ele é um grande garoto", declarou o docente ao G1.
Ceratocone e outras deficiências visuais
O ceratocone é uma doença degenerativa que provoca o afinamento e a deformação progressiva da córnea. Com a alteração da curvatura, a membrana acaba ganhando um formato semelhante ao de cone. O quadro favorece o aparecimento de miopia, astigmatismo e baixa acuidade visual.
O ceratocone é uma doença degenerativa que provoca o afinamento e a deformação progressiva da córnea. Com a alteração da curvatura, a membrana acaba ganhando um formato semelhante ao de cone. O quadro favorece o aparecimento de miopia, astigmatismo e baixa acuidade visual.
De acordo com o oftalmologista Mario Pacini, a causa ainda não está definida. "Tem muita relação com a alergia, pelo hábito prolongado de coçar os olhos, induzindo a uma mudança na estrutura da córnea. Pode haver uma tendência hereditária relacionada também à alergia. As pessoas com síndrome de Down apresentam também uma propensão à doença", explica.
Geralmente, a doença está associada a uma sensação de que a visão não é satisfatória nem quando se usa óculos. Ela geralmente afeta pessoas jovens.
Além do uso de lentes, o tratamento pode ser feito por meio da implantação de anéis na córnea ou transplante. "De qualquer forma, sempre será um paciente que necessitará de acompanhamento oftalmológico para o resto da sua vida", completa Pacini.
O tratamento na rede pública é oferecido nos hospitais de Base e Universitário de Brasília, além do Instituto de Cardiologia. Antes de entrar na fila de transplante, o paciente passa por uma avaliação média. O prazo é de até quatro meses para ele ser chamado para a cirurgia.
Brasília ficou em primeiro lugar no ranking nacional de operações do tipo neste ano, com 221 casos. Dados da Secretaria de Saúde apontam que 1% da população da capital do país tem deficiência visual – incluindo transtornos oculares congênitos, retinopatias graves, glaucoma e trauma ocular.
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