Desde que o Theo foi diagnosticado com autismo, aos 2 anos de idade, já houve vários olhares tortos. Já houve cochichos. Já houve alguma incompreensão. Mas nada supera a sua falta de humanidade.
Estou falando de você: a moça que estava na piscina infantil do parquinho com seus dois filhos pequenos. Um aparentava ter, no máximo, uns 10 meses. O outro já devia ter quase 2 anos.
Você, que gritou para o meu filho algo como “você não pode correr assim”, quando ele passou feliz e sorridente brincando de chutar a água ao seu lado. Foi pra você que eu gritei “ELE É AUTISTA”. E você retrucou “ele é autista?”
Nesses quatro anos de diagnóstico, as histórias sempre paravam por aí. Theo fazia algo incomum. Alguém fazia cara de poucos amigos. E eu entrava botando panos quentes. “Desculpe, ele é autista”. Ou, recentemente, desde que me mudei pra Londres, “I’m sorry, he is autistic”. E as pessoas entendem. Ou, ao menos, fingem entender. E se desarmam. Mas isso não aconteceu com você.
Mesmo após ter ouvido que ele era autista, você continuou gritando com ele. “Não faça assim! Ei, você não pode correr assim!”. E, em um determinado momento, você gritou comigo! Foi algo como “você precisa falar com ele pra não correr assim!”. E eu gritei de volta pra você. Pela primeira vez na vida, eu gritei com uma pessoa por causa do meu filho. Aquilo me soava tão inacreditável que eu devolvi um“eu estou falando com ele pra não correr, mas eu já te disse que ele é autista, você deveria ser mais compreensiva!”. A que ponto chegamos? Eu tive que dizer a uma pessoa adulta que ela deveria ser mais compreensiva com uma criança autista que brincava feliz na piscina?
Sim, meu filho empurrou seu bebê uma vez. Ele faz isso quando está tentando interagir. Ninguém se feriu. Aliás, ele fez isso com várias outras crianças e elas não se importaram. Todas levaram na esportiva. Nem seu bebê pareceu ligar muito. A única pessoa visivelmente incomodada naquela piscina era você.
Sim, meu filho chutou água no rostinho do seu bebê. Ele não foi o único. Várias crianças da mesma faixa etária dele brincavam na piscina. Todas faziam bagunça. Você era a única pessoa adulta com um bebê de 10 meses em uma piscina cheia de crianças maiores e agitadas, jogando água para todos os lados. Mas você só implicou com o meu filho!
E o cúmulo da situação foi quando vi meu filho chegar perto do seu bebê. Devagar…interessado em tocá-lo, em tentar algum tipo de interação. E você, do alto de sua ignorância, afastou o Theo com a mão e disse “não fique tão perto”. Nesse momento, mais uma vez, eu não me contive e gritei “NÃO É CONTAGIOSO!”.
As pessoas ao redor notaram e comentaram. A solidariedade que você não demonstrou na piscina jorrou ao meu redor do lado de fora.
Já me senti desconfortável no avião quando o Theo chutava a cadeira da frente e eu tinha que me explicar para um passageiro visivelmente irritado. Já me senti envergonhada por ele gritar em locais silenciosos e assustar algum desprevenido. Mas, hoje, eu me senti em pedaços. Porque senti meu filho ser humilhado por uma pessoa dura, sem compaixão, sem humanidade e sem amor ao próximo. Essa pessoa é você!
Foi horrível ter que fingir, para a amiga que estava comigo, que esse tipo de situação é corriqueira e não me afeta. Foi horrível segurar as lágrimas. Mas eu não iria fazer o que você queria: eu não iria tirar meu filho de uma piscina que ele tem todo o direito de frequentar e onde estava se divertindo com as outras crianças. Eu não iria deixar você mais confortável. Meu filho tem tanto direito ao espaço público como qualquer criança, e não é uma pessoa como você que vai tirar isso dele.
Para terminar, agora, que já se passaram algumas horas desde o ocorrido, queria te agradecer. Isso mesmo. Queria agradecer pelo aprendizado de hoje. Eu nunca, NUNCA MAIS vou dizer “desculpe, ele é autista”. Ou, na versão daqui, “I’m sorry, he is autistic” (sinto muito, ele é autista). Eu não tenho que pedir desculpas. Eu não tenho que sentir muito. Meu filho é autista. Ele é, também, a pessoa mais amorosa e engraçada que eu conheço. Ele encanta as pessoas ao redor e as cativa de uma forma que você jamais vai entender.
Eu sinto muito pelos SEUS filhos. Pelo tipo de criação que estão tendo. Pelo medo da diferença que está sendo colocado naquelas pequenas cabecinhas aos poucos. Pela falta de amor ao próximo que lhes está sendo ensinada no dia a dia.
Sinto muito por você. Pelo seu coração endurecido. Pela sua visão limitada de mundo.
Sinto muito pela forma como a vida ainda vai te ensinar. Porque ela vai, mais cedo ou mais tarde.
E, por fim, pensando em todas as pessoas que me apoiaram naquele playground, te agradeço por me mostrar que os bons ainda são maioria. Que você foi só uma nuvem negra que apareceu no nosso dia ensolarado, mas foi logo empurrada pra longe pelo vento. E o dia voltou a ficar lindo, iluminado pelo sorriso de uma criança completamente inocente, que não fazia ideia do que estava acontecendo ao seu redor.
Andréa.
p.s: um beijo especial para a minha amiga Andréa Papini que, de tão solidária a mim nesse momento, estava quase indo dar uma voadora na pessoa!
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