"Não deixo de ir a nenhum lugar", diz o cadeirante Pedro MusaReprodução/Facebook
Em entrevista ao R7, o psicólogo revela as principais dificuldades de um cadeirante e como é possível encarar a adversidade e levar uma vida sem privações.
R7 — Como e quando aconteceu o acidente?
Pedro Musa — Foi nas férias de julho de 1998 quando eu tinha 16 anos. Estava na Bahia com meus amigos e resolvi pular no rio. Bati a cabeça em algum lugar, provavelmente no banco de areia, e quebrei o pescoço. Perdi os movimentos na mesma hora e quando abri os olhos estava boiando de cabeça para baixo dentro da água. No início, meus amigos acharam que fosse brincadeira, mas como perceberam que eu não me mexia, foram me resgatar.
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R7 — Quando você soube que não recuperaria os movimentos?
Pedro Musa — Passei três meses internado porque tive algumas complicações nas cirurgias. Na primeira delas, tive o esôfago perfurado e por conta disso desenvolvi uma infecção. Ao todo foram quatro operações e, foi neste período ainda no hospital, que recebi a notícia de que não teria mais o movimento dos membros.
R7 — Como foi receber esta notícia aos 16 anos? Gerou alguma revolta?
Pedro Musa — Tentei levar numa boa sem revoltas. Na realidade, os médicos não podiam garantir que eu ficaria totalmente sem os movimentos. Na época eu cursava o 2º colegial e perdi o semestre da escola porque fiquei no hospital e quando saí seria difícil acompanhar. Meu foco foi fazer fisioterapia. Não perdi a esperança de recuperar o movimento, por isso durante dois anos fiz sessões todos os dias da semana. Aos poucos comecei a ter a sensibilidade de volta e dar alguns passos. Apesar de meus movimentos estarem alterados, hoje consigo andar pequenas distâncias com o apoio do andador ou de alguém. Meu caso é chamado de tetraparesia, uma lesão parcial em que há algum tipo de comunicação pela medula, mas de forma incompleta.
R7 — Quais foram suas primeiras dificuldades ao sair do hospital? Lembra-se de algo que te marcou?
Pedro Musa — Acho que tem uma marca que fica até hoje. É mais fácil ficar onde se está acostumado, na famosa zona de conforto. Estava acostumado no hospital depois de três meses, já tinha uma rotina. Ir para casa foi ir em direção ao desconhecido, todas as fantasias de como seria. Mas foi bom, não dá para viver a vida no hospital, assim como quase todas as outras quebras de zona de conforto costumam levar a mais independência e novas possibilidades.
Pedro Musa se diverte com amigos na baladaReprodução/Facebook
Pedro Musa — Na época (e atualmente) moro com meus pais em uma casa de dois andares e os quartos ficavam no segundo andar. A primeira atitude foi mudar meu quarto para o térreo e trocar o boxe do banheiro para cortina, assim ficaria mais fácil entrar com a cadeira, além de precisar de ajuda para os hábitos de higiene. Foi necessário alugar uma cama de hospital e eu tinha enfermeiros durante 24 horas, além de precisar que alguém cortasse a comida. Com o tempo, as necessidades foram diminuindo, fui aos poucos me tornando independente, passando a tomar banho sem ajuda, a cortar o alimento, mesmo que com dificuldade. Hoje faço tudo sozinho, mas se a lâmpada do quarto queimar é bem provável que eu precise chamar alguém.
R7 — Você enfrentou dificuldades para voltar a estudar?
Pedro Musa — Voltei a estudar no ano seguinte do acidente e o colégio se adaptou um pouco para me receber, como reprogramar para que todas as minhas aulas fossem realizadas no térreo. Fiz três faculdades, sendo a primeira Design Digital, depois cheguei a montar uma pequena produtora com um amigo, mas acabamos desistindo. Fui cursar Matemática, cheguei a buscar cursinho, não possuíam adaptação, a direção até me pediu desculpas e ofereceu aula particular, mas preferi procurar outra instituição. No meio do curso de Matemática tranquei a faculdade e fui trabalhar como programador com alguns amigos da primeira faculdade, mas acabei desistindo para fazer Psicologia. Essa mudança aconteceu porque percebi que não fazia sentido, queria trabalhar com contato humano e não passar o dia na frente do computador.
R7 — Atualmente você namora, mas em algum momento teve medo de iniciar um relacionamento por estar em uma cadeira de rodas?
Pedro Musa — Não. Após o acidente, tive algumas namoradinhas, mas a primeira mais séria foi aos 20 anos e era uma menina da escola. Ficamos um ano juntos e fazíamos tudo o que qualquer outro casal faz, como ir ao cinema, barzinho, show, balada, sexo etc. Também tive minha fase solteiro e “azaração”, como qualquer homem, e agora namoro há um ano e pouco.
R7 — Você teve medo da primeira relação sexual após o acidente?
Pedro Musa — Toda primeira transa tem um grau de ansiedade maior e comigo não foi diferente. Mesmo tento privação dos movimentos, a libido continua e sinto o corpo todo. Apesar de não sentir calor e frio, sinto o toque da pessoa. É claro que fiquei receoso, mas isso passa conforme se cria mais intimidade.
R7 — Você sonha em casar e ter filhos?
Pedro Musa — Tenho vontade sim e acho que deve ser uma experiência única ajudar um ser humano a se desenvolver do começo doando um amor tão grande.
R7 — Como você se locomove em São Paulo?
Pedro Musa — Sempre achei que não precisaria ter carro, mas para ter mais liberdade e independência resolvi tirar minha habilitação de motorista há três anos. O carro é adaptado para a minha necessidade, ou seja, além de ser câmbio automático, o acelerador e o freio são na mão. Não costumo precisar de ajuda para entrar e sair do carro, mas é muito comum as pessoas se oferecerem.
R7 — Você se incomoda com isso?
Pedro Musa — Sempre preferi tentar resolver tudo sozinho, mas com o tempo você aprende que às vezes não é possível. O problema é que nem sempre esta ajuda é benéfica, pode até atrapalhar. Acho que a cadeira de rodas aumenta a solidariedade das pessoas. É claro que tenho receio de chegar a algum lugar e não conseguir “me virar” sozinho, mas não tenho medo.
R7 — Você visitou outros países após o acidente? Sendo um cadeirante quais as principais dificuldades?
Pedro Musa — Já fui para França, Argentina e Estados Unidos. Quando a cidade é plana tudo muda, facilita muito para usar a cadeira de rodas. Como tenho alteração na mão, não consigo subir uma ladeira muito inclinada, o que é um problema. Neste sentido, o carro me libertou muito, morando em São Paulo há inúmeras ladeiras que me impediria de chegar ao ponto de ônibus, por exemplo.
R7 — Você tem algum arrependimento?
Pedro Musa — Sempre tive uma visão de que se não fossem as coisas que vivi não seria quem eu sou. Hoje em dia posso garantir que é preciso encarar a adversidade para ter uma vida normal. Como cadeirante, tomo alguns cuidados, mas não deixo de ir a nenhum lugar. O importante é ficar mais atento ao meu entorno, por mais que às vezes gere ansiedade.
http://noticias.r7.com/saude/nao-sinto-calor-mas-a-libido-continua-conta-cadeirante-que-perdeu-os-movimentos-apos-acidente-21072014
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