A novela "Viver a vida" colocou um problema em evidência, esta semana. A cena entre a protagonista Luciana e o cobrador de um ônibus retrata bem a realidade.
Cobrador: Olha só, moça, eu vou avisar logo que vai demorar, tá?
Luciana: Demorar o que, moço?
Cobrador: Pra resolver isso aqui, o elevador
Luciana: Não devia ser assim, né, mas paciência
Cena de novela? É, mas tem tudo a ver com o que aconteceu com o artista plástico Alarico Moura, em um ponto de ônibus do centro do Rio de Janeiro, esta semana. Meia hora de espera e quem disse que o equipamento funcionava?
Alarico e outros quatro cadeirantes foram convidados a fazer um teste em ônibus de Rio de Janeiro, São Paulo, São Luís, Goiânia e Porto Alegre.
O primeiro caso é do carioca. Com ajuda de um pedestre, Alarico sobe e se acomoda no lugar destinado a portadores de necessidades especiais. Mas na hora de recolher o equipamento, problemas. A cobradora aperta o botão, sobe no elevador e nada.
“Não é que eu não estou sabendo ligar. O negócio é que não está funcionando”, explica a cobradora.
Passageiros desistem de esperar. O elevador, enfim, dá sinal de vida. E 20 minutos depois, o ônibus sai.
Só que depois do desembarque do Alarico, o elevador emperra de novo. “Eu me senti muito constrangido, porque essa dificuldade toda faz com que o veículo demore muito tempo, quer dizer, os passageiros em trânsito, estão se deslocando, saindo do trabalho, voltando para casa, eu fiquei olhando para o rosto das pessoas com um constrangimento muito grande”, revela o cadeirante.
Dos 8,8 mil ônibus que circulam no município do Rio de Janeiro, 2 mil já estão adaptados, segundo o sindicato das empresas de ônibus. Mas ainda há muito a fazer. Um decreto de 2004 determina que 100% da frota nacional deverão estar totalmente acessíveis aos cadeirantes em 2014. Faltam quatro anos. E não basta ter o equipamento, é preciso saber usar.
“No meu ponto de vista, nós estamos super atrasados. Em quatro anos muito dificilmente teremos toda a frota adaptada e é uma capital que vai ser a capital da Olimpíada e da Para-Olimpíada, além de ser uma sede da Copa de 2014”, observa o presidente do Instituto Muito Especial, Marcos Scarpa .
Outra sede da Copa também mostra problemas. São Paulo tem 15 mil ônibus, quase 4 mil adaptados. O administrados de empresas Eduardo Figueiredo Palma deu sorte. Seis minutos no ponto e o ônibus chegou. Tudo funcionou bem. Mas a espera pelo segundo ônibus foi um balde de água fria.
"Já faz 27 minutos agora que eu estou esperando o ônibus", conta.
O ônibus adaptado só chegou 59 minutos depois.
"O cadeirante paulista que irá fazer viagem de ônibus e necessitar desse ônibus adaptado vai encontrar dificuldade na questão de tempo, porque nem todas as linhas são adaptadas, e dificuldade na questão de preparo dos profissionais para atendê-lo", avalia o administrador de empresas.
E o pior ainda estava por vir. Em São Luís, somente 231 ônibus de quase 1 mil estão preparados para receber quem usa cadeira de rodas. Antônio chegou ao ponto de ônibus às 15h45. Três veículos adaptados pararam, mas o equipamento não funcionou em nenhum. Quando deu certo, ainda teve que explicar como fazer a plataforma se movimentar. O embarque aconteceu duas horas e treze minutos depois da chegada ao ponto.
Fomos ao Centro-Oeste, em Goiânia, grande parte da frota é acessível aos cadeirantes: mais de 1,1 mil dos quase 1, 5 mil ônibus. Mas isso não significa que o serviço é eficiente. De novo, defeito no equipamento.
Outro ônibus, o mesmo problema. Só meia hora depois de muitas tentativas, um elevador para Juliana. “É sempre assim, mas hoje parece que está pior, viu? De cada dez ônibus que passa, três estão estragados, o motorista não para, se tiver muito cheio eles não param para embarcar o cadeirante”
Em Porto Alegre, o número de carros adaptados é pequeno: são 470 dos quase 1,6 mil. A advogada Andréa Pontes aguardou meia hora pelo primeiro ônibus para cadeirante no centro da cidade. Fora a espera, tudo correu bem.
O teste de moblilidade para deficientes físicos foi feito em cinco capitais brasileiras, a que apresentou melhor qualidade de serviço foi Porto Alegre (RS).
Quando repetimos o teste em outro ônibus, o motorista deu exemplo. Manobrou o carro para chegar mais perto do meio-fio. Andréa entrou e saiu com muita rapidez.
“Eu fiquei bastante admirada na forma como os ônibus em Porto Alegre estão preparados e, principalmente, os funcionários das empresas”.
Resultado do teste do Fantástico: Porto Alegre tem o melhor serviço. E São Luís foi a capital onde constatamos o pior atendimento. Além do mais longo tempo de espera, 2 horas e 13 minutos, em três ônibus adaptados o elevador não funcionava.
Na opinião de quem trabalha para inserir o cadeirante na sociedade, a falta de transporte digno impede a pessoa de ser cidadã.
“Impacta diretamente na sua vida profissional, na sua vida social, ela não tem direito de ir a um médico, ela não consegue chegar a um hospital, ela não consegue chegar, fazer um tratamento ambulatorial, ela fica literalmente ilhada dentro de casa”, fala Marcos Scarpa.
Fonte:Fantástico (28/03/2010) http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1548461-15605,00-MA+CADEIRANTE+ESPERA+MAIS+DE+DUAS+HORAS+POR+ONIBUS+ADAPTADO.html
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