quinta-feira, 4 de abril de 2013

04/04/2013 14h24 - Atualizado em 04/04/2013 14h24 Peça no DF mostra pensamentos de catadora com deficiência mental


Ela questiona sociedade com realidade de pacientes na rede pública. 
'Estamira percebe o mundo de maneira mais lúcida', diz atriz Dani Barros.


Atriz Dani Barros dá vida à catadora de lixão no Rio de Janeiro com distúrbios mentais (Foto: Luís Alberto Guimarães/Divulgação)Atriz Dani Barros dá vida à catadora de lixão no Rio de
Janeiro com deficiência mental (Foto: Luís Alberto
Guimarães/Divulgação)
A peça "Estamira – Beira do Mundo" entra em cartaz com curta temporada por Brasília nesta quinta-feira (4) nos teatros Goldoni e do Sesc, em Taguatinga. O espetáculo é uma adaptação do documentário "Estamira", de Marcos Prado, e mostra a vida e os pensamentos de Estamira Gomes de Sousa, uma catadora de lixo no aterro de Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, um dos maiores depósitos de resíduos da América Latina.
Vivida pela atriz Dani Barros, Estamira tem deficiência mental e discorre sobre a sociedade nos próprios pensamentos no lixão. Ela questiona o modo de viver das pessoas e de como pacientes são tratados na rede pública de saúde. A verdadeira Estamira morreu em 2011 e completaria 72 anos neste domingo (7). Depois da apresentação, a equipe sempre propõe um debate com o público.

A peça fica em cartaz entre os dias 4 e 7 de abril no teatro Goldoni, na 208/209 Sul. Na quarta que vem (10), o espetáculo vai ter sessão única, às 15h, no teatro do Sesc, em Taguatinga. O ingresso custa R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). A classificação indicativa é de 14 anos.

Sessões especiais
Nesta quinta e sexta, às 15h, no teatro Goldoni,  e na quarta (10), no Sesc de Taguatinga, a peça vai ter apenas 20% da bilheteria disponível ao público em geral. A prioridade será de deficientes mentais crônicos acompanhados de familiares.

Convites foram distribuídos aos grupos dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps), hospitais psiquiátricos e faculdades de Medicina, Psicologia e Pedagogia. No sábado (6), o espetáculo começa às 21h, e no domingo (7), às 20h, com a bilheteria aberta a todos.
Atriz Dani Barros e diretora Beatriz Sayad dão entrevista ao G1 sobre o espetáculo (Foto: Luciana Amaral/G1)Atriz Dani Barros e diretora Beatriz Sayad dão entrevista ao
G1 sobre o espetáculo (Foto: Luciana Amaral/G1)
G1 entrevistou a atriz, Dani Barros, e a diretora da peça, Beatriz Sayad. Veja os principais trechos.
​G1: A peça é um depoimento dos retratos e pensamentos da vida da Estamira. Como vocês a perceberam e lidaram com a doença mental crônica na construção da personagem?
Dani Barros: Eu acho que Estamira percebe o mundo de maneira mais lúcida possível. Quando assisti Estamira [documentário] pela primeira vez fiquei chocada, porque é impressionante como uma mulher do meio do lixão fala da podridão e do lixo em que a gente vive. Ela dá uma acordada na gente. Poderia ter passado batido se não fosse também pelo Marcos Prado: parar para escutar essa mulher.
Beatriz Sayad: O que motivou levar Estamira para o palco foi a fala dela conseguir sintetizar um discurso imponente sobre questões muito complexas. Por exemplo, a rede de saúde pública, saúde mental, o lugar de uma pessoa como ela no mundo – de conseguir não sucumbir ao tratamento psiquiátrico dopante que muitas vezes é oferecido. Ela renasceu a partir de um trabalho à margem da sociedade e criou um centro para a vida dela.

G1: Como você, Beatriz, como diretora, vê a oportunidade de uma catadora de lixo num dos maiores aterros da América Latina ter voz?
BeatrizFeliz a sociedade que pôde ouvi-la. Eu acho que ela alerta a gente para ver tudo o que vem acontecendo na sociedade que preferimos não escutar, porque talvez seja o nosso lixo. Fazendo uma interlocução pode ser mais fácil de perceber. Ninguém fala sozinho. A solidão, aliás, é uma das questões mais tristes da sociedade. Há uma sensação de dificuldade de romper a barreira de ser ouvido. A loucura tem mesmo essa coisa da cápsula.

G1: Dani, o que você trouxe da sua vida para o espetáculo?
Dani: Minha relação com os doutores da alegria, jogos de palhaços e as crianças. Não tinha como não me expor. Não é só sobre a Estamira. A gente pegou o filme e colocou memórias senão não fazia sentido. Minha mãe era bipolar e frequentei hospitais psiquiátricos. Muitas coisas ficaram engasgadas. Ela foi a possibilidade de falar sobre o que precisa ser mudado, gritado, ouvido. Transformar o que vivi.

G1: Pois é, vocês duas já participaram dos Doutores da Alegria. O que trouxeram dessa experiência específica para a peça?
Dani: Indignação. Não tem como entrar num hospital público e não sentir isso. Além da diferença entre os hospitais públicos e privados também causar revolta. Depois de um tratamento cinco estrelas pode-se ficar indignado por saber que poucas pessoas têm acesso a ele. Claro que deve-se agradecer por ter a oportunidade, mas é muito triste pensar que bem todos têm direito a isso.
Beatriz: A alegria e a indignação. A gente vê o poder de transformação da arte na hora, na espera ansiosa das crianças. De onde elas tiram força? Vem da arte.

G1: Vocês também foram se apresentar em hospitais psiquiátricos e Caps?
Dani: Sim, pois é um assunto em que não se fala muito. Tenho recebido depoimentos de pessoas que falam 'ai que bom que você tocou nisso. Minha mãe é esquizofrênica' e outras coisas que não falamos ou não sabemos como falar. Todo mundo transita entre loucura e sanidade. É um tema tão cotidiano.
Beatriz: É uma oportunidade para eles, mas também para a gente, faz a peça crescer. A gente foi atrás desse público. Queríamos que o espetáculo chegasse neles. Tivemos contato com guerreiros dessa luta para que haja um tratamento mais "humano", apesar dessa palavra ser horrível, com maior inclusão, consideração, além de cíclico e menos confinado.  É preciso cuidar dos familiares também. Sabemos que esses tratamentos são mais caros e precisam de profissionais bem pagos. É difícil no mundo da saúde em geral.

G1: Depois da peça vocês vão debater o assunto com o público. Como vai ser esse diálogo?
Beatriz: Depende do público. Normalmente com o público do Caps a gente fala mais sobre a saúde mental. Com o pessoal do teatro, falamos sobre o processo de criação da peça.

G1: Aqui em Brasília, por ser uma cidade política, você acha que a conversa vai enveredar para a questão do SUS, das políticas públicas?
Dani: Eu espero que sim, com certeza. Espero até o Ministério da Saúde e a Dilma para discutir isso com a gente porque a peça fala de coisas tão importantes. Para a gente é muito legal estar aqui e agora em Brasília, onde tudo acontece. Quando olho a Esplanada vejo o Jornal Nacional, é muito forte. Tá todo mundo ali.

G1: O teatro Goldoni é um espaço pequeno. Como vocês acham que isso vai influenciar a percepção da peça sendo um lugar mais íntimo, por assim dizer?
Beatriz: A peça na verdade estreou num espaço bem pequeno, bem menor até que o Goldoni. Eu acho que esse formato dá preferência para climas bem intimistas tanto pela maneira  como a gente ensaiou, que era pequenininho, quanto pelo fato de a Dani precisar olhar nos olhos dos espectadores. Se ela puder ter o alcance deles é melhor, é o que a gente imaginou, pois a peça é uma conversa, um depoimento falado e ouvido.
G1

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