quinta-feira, 3 de julho de 2014

Assista ao trailer do filme "Antes que o mundo acabe" da diretora Ana Luiza Azevedo com audiodescrição



Assista ao trailer do filme "Antes que o mundo acabe" da diretora Ana Luiza Azevedo com audiodescrição

Como os cegos "enxergam" no cinema

Fabio Rosso entrevista a audiodescritora Letícia Schwartz
 
"A audiodescrição é tão antiga quanto a cegueira". Com essa frase a audiodescritora da Mil Palavras Acessibilidade Cultural, Letícia Schwartz, inicia explicando o que seria essa técnica que, aos poucos, está sendo incluída em algumas obras audiovisuais produzidas pelo mundo inteiro. O recurso possibilita que cegos e demais públicos beneficiados assistam à filmes, entre outras produções culturais, de forma cada vez mais independente. Confira a entrevista.

Fotografia de Letícia Schwartz em um estúdio de gravação. Ela está em frente a um microfone de pedestal e usa fones de ouvido. Sorri para a câmera.
Fotografia de Letícia Schwartz em um estúdio de gravação. Ela está em frente a um microfone de pedestal e usa fones de ouvido. Sorri para a câmera.

Fabio Rosso - O que é a audiodescrição?

Letícia Schwartz - A audiodescrição é tão antiga quanto a cegueira. Pessoas com deficiência visual sempre dependeram de familiares e amigos que se dispusessem a realizar a descrição do ambiente onde a pessoa se encontra, das características físicas das pessoas em volta, das ilustrações de um livro, das cenas de um filme ou de uma peça de teatro. A audiodescrição é a profissionalização desse “contar o que se está vendo”. A descrição objetiva dos elementos visuais é o que vai permitir a inclusão de pessoas com deficiência visual na vida cultural. Além do acesso, esse recurso gera autonomia, uma vez que a pessoa deixa de depender de seus acompanhantes para participar de qualquer atividade cultural.

Fabio Rosso – Quem está habilitado a produzir audiodescrição e onde ela é produzida?

Letícia - A audiodescrição normalmente é desenvolvida por uma equipe que conta com um audiodescritor roteirista, que desenvolve o texto e determina os pontos de inserção das descrições (a audiodescrição não pode colidir com os diálogos de um filme, por exemplo); um audiodescritor narrador, que deve fazer a locução desse texto de maneira clara e discreta; um técnico de áudio, responsável pela gravação, pela edição e pela mixagem da audiodescrição com o áudio original do programa; e um revisor, que deve ser uma pessoa com deficiência visual que avalia a clareza das informações e a qualidade geral do trabalho. Hoje em dia existem diversos cursos preparatórios no Brasil. Nesse sentido, sugiro a quem estiver interessado que consulte o Blog da Audiodescrição , um canal constantemente atualizado que divulga tudo o que acontece no país em relação à audiodescrição.

Fabio Rosso - Quais os públicos que a audiodescrição pretende beneficiar?

Letícia - O público preferencial da audiodescrição é aquele constituído por pessoas com deficiência visual. No entanto, existem ainda outros grupos que podem se beneficiar desse recurso. É evidente, por exemplo, seu potencial como ferramenta de apoio a pessoas com dificuldade de aprendizagem ou alguma deficiência intelectual. Nesse caso, a audiodescrição contribui com o processo de percepção, compreensão e fixação das informações mais importantes. Espectadores videntes também podem tirar proveito da audiodescrição. A maioria das pessoas tem por hábito deixar a televisão ligada enquanto estão ocupadas com outras atividades, como cozinhar, costurar, comer, passar roupa, etc. A possibilidade de gravar programas audiodescritos para ouvir em trânsito é também uma possibilidade atraente para esse público.

Fabio Rosso – Onde a audiodescrição é aplicada?

Letícia - Não só no cinema. A audiodescrição pode ser aplicada à DVDs, programas de televisão, peças de teatro, fotografias, desfiles de moda, eventos esportivos, slides de power point, casamentos, histórias em quadrinhos. shows de música, espetáculos circenses, exposições, roteiros turísticos... Tudo o que pode ser visto pode ser descrito.

Fabio Rosso - Na sua opinião, qual a situação da inclusão social dos cegos no Rio Grande do Sul e como a audiodescrição vem contribuir nesse sentido?

Letícia - Acredito que somos resultado de nossas experiências, que cada filme que assistimos, cada livro que lemos, cada música que ouvimos contam um pouco da nossa própria história. Pessoas com deficiência, seja ela qual for, não podem ser privadas dessas experiências. A audiodescrição possibilita a inclusão na sociedade através do acesso à cultura, à arte, ao lazer e ao entretenimento. A acessibilidade cultural chega em busca da igualdade de condições, da liberdade de escolha e do desenvolvimento pleno do ser humano. No entanto, a questão da inclusão social dos cegos não depende apenas da audiodescrição. É preciso que a cidade como um todo seja acessível, para que a pessoa com deficiência visual possa ir e vir com liberdade e autonomia. Piso podotátil, sinaleiras sonoras e, principalemente, uma mudança de atitude por parte da população são alguns dos fatores que poderiam fazer a diferença.

Fabio Rosso - Como as salas de cinema podem ser adaptadas para que recebam o recurso?

Letícia - Na verdade, não basta que a sala esteja equipada. Para que as pessoas com deficiência visual tenham acesso ao cinema, três fatores são decisivos: Em primeiro lugar, os filmes precisam ter a audiodescrição. Ou seja, diretores, produtores e distribuidores precisam encarar os recursos de acessibilidade (audiodescrição para cegos e legendagem em português para surdos) como parte do processo de produção de qualquer filme. Em segundo lugar, as cópias do filme (digitais) devem incluir o recurso em uma faixa de áudio adicional, que será transmitida diretamente para fones de ouvido. Em terceiro lugar entra a adaptação das salas de cinema. O equipamento necessário é idêntico àquele utilizado para transmissão de tradução simultanea: um rádio transmissor que fica na cabine, conectado ao equipamento de projeção; e receptores e fones de ouvido para os espectadores. Dessa forma, apenas os espectadores que solicitarem os fones ouvirão a audiodescrição, evitando qualquer interferência no som da sala. Ou seja, é preciso que todos os envolvidos no processo tenham consciência da importância desse recurso e de que existe uma fatia de mercado que pode ser contemplada.

Fabio Rosso - Fazer audiodescrição é algo que exige um alto investimento?

Letícia - Em relação ao orçamento de produção de um filme, o valor é irrisório (menos de 1%). No entanto, para exibições pontuais o valor é, sim, elevado. A situação ideal é que a audiodescrição seja incluída no planejamento orçamentário de cada projeto. Dessa forma, os filmes poderão ser lançados já com audiodescrição e o custo desse serviço não recairá sobre os exibidores.

Fabio Rosso - Como foi a experiência de fazer a audiodescrição para o filme Antes que o mundo acabe? É o primeiro audiovisual gaúcho a contar com o recurso?

Letícia - Descrever o "Antes que o mundo acabe" foi uma experiência fantástica. O filme conta a história da um adolescente que vê seu mundo virar do avesso quando começa a receber cartas do pai, que jamais conheceu. No entanto, a relação entre os dois não se estabelece através de palavras, e sim de fotografias. Nosso desafio foi traduzir essa linguagem intensamente visual em palavras. Como as conversas com a diretora Ana Luiza Azevedo começaram bem antes do lançamento do filme, tivemos tempo de realizar o trabalho sem pressa, o que possibilitou que o processo fosse tranquilo e consistente. Além disso, o contato pessoal com a Ana e o Giba Assis Brasil (co-roteirista e montador do filme) permitiu uma troca constante, ajustando a audiodescrição à linguagem particular da obra. Em anos anteriores, foram realizadas algumas experiências com curtas exibidos em mostras. "Antes que o mundo acabe" é o primeiro longa-metragem gaúcho em que a audiodescrição está disponível no DVD. Ou seja, qualquer pessoa pode comprar ou retirar o filme na locadora, selecionar a opção "português com ad" no menu de configurações e assitir a versão com audiodescrição.

Fabio Rosso - Qual o retorno que os deficientes visuais têm dado ao assistir audiovisuais com o recurso da audiodescrição?

Letícia - Não é verdade que o cego seja um recluso. Diversas pessoas com deficiência visual frequentam cinemas e teatros mesmo sem a audiodescrição. Não compreendem, porém, boa parte das cenas, ou dependem de pessoas que cochichem em seu ouvido as informações visuais mais relevantes. Para as pessoas com deficiência visual, a possibilidade de assistir um filme com audiodescrição abre uma nova porta de comunicação com o mundo. Isso é o que os espectadores com deficiência visual tem apontado como os maiores benefícios: a autonomia, a liberdade de escolha, a possibilidade de compartilhar momentos de lazer com os familiares e amigos e a verdadeira inclusão na vida cultural da nossa sociedade.
Fonte: Fabio Rosso Entrevistas
http://fabiorossoentrevistas.blogspot.com




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